Tradicionalismo e Liderança Cristã – Parte 1
A força do hábito religioso, em seu sentido negativo, é capaz de moldar o pensamento teológico de incontáveis gerações, nos induzindo assim por caminhos que muitas vezes não tem fundamentação realmente bíblica. Ainda por cima, tudo isso acontece sem que de fato percebamos o que estamos fazendo.
Costumo dizer que “saímos do Catolicismo, mas o Catolicismo não saiu da gente”. O que quero dizer com isso é que perpetuamos sistemas religiosos, já viciados, porque os herdamos de nossos professores de escola dominical sem nunca realmente compará-los com as Escrituras.
Hoje temos uma emaranhada rede ministerial codificada por meio de títulos e termos que, em alguns casos, chegam a ser engraçados. Através de uma cadeia de Hierarquias eclesiásticas que se sobrepõem umas às outras, os relacionamentos simples e realmente bíblicos vão desaparecendo cada vez mais. Pronomes de tratamento e títulos cada vez mais sofisticados são inseridos nessa equação e a distância intencional entre o “clero” e aqueles que foram “separados para o sacramento da ordem” só faz aumentar.
Talvez por medo de serem desrespeitados muitos ministros do Evangelho impuseram barreiras de aproximação através destes títulos numa tentativa de evitar qualquer possível relacionamento íntimo e livre entre os líderes e os liderados; todavia, esse não é o exemplo que Jesus nos deixou. Além dele mesmo ter lavado os pés de seus alunos e ter dito que este é o comportamento que ele esperava ver replicado por todos eles quando também ocupassem posição de autoridade, Jesus foi bem claro ao ensinar sobre a atitude que líderes cristãos deveriam ter em comparação às hierarquias montadas com base em padrões mundanos, veja:
Mateus 20.25-28
Mas Jesus os chamou e disse: “VOCÊS SABEM que OS GOVERNADORES desse mundo DOMINAM O POVO, e os oficiais USAM A SUA AUTORIDADE SOBRE ELES. Mas NÃO DEVE SER ASSIM ENTRE VOCÊS. Quem quiser ser um líder entre vocês tem que ser servo de todos, e quem quiser ser o primeiro entre vocês, tem que se tornar seu escravo. ASSIM COMO o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.”
Infelizmente hoje em dia muitos pastores se sentem ofendidos e alguns até repreendem e punem os irmãos se estes ousarem se dirigir a eles pelo seu próprio nome sem que usem, antes de qualquer coisa, a “alcunha” de “Pastor” ou “Bispo” ou alguma outra designação que subentenda uma espécie de posição hierárquica superior. Por mais estranho que isso possa parecer, não existia esse tipo de tratamento entre os irmãos da igreja cuja vida diária está registrada no Novo Testamento. O que vemos são cristãos imitando e obedecendo a Cristo em seus relacionamentos, inclusive ao se dirigirem uns aos outros: Paulo chamava Barnabé de Barnabé (Gl 5.1); chamava Tito de Tito (Gl 5.3); chamava Pedro de Pedro (Gl 5.7). Lucas chamava Paulo de Paulo (At 15.12); chamava Barnabé de Barnabé (At 15.2); chamava Tiago de Tiago (At 15.13) e Simão de Simão (At 15.14). Pedro chamava Paulo de Paulo (2 Pe 3.15) e assim por diante. Não que desconsiderassem os dons ou ministérios nos quais cada um atuava, pois vemos que isso era reconhecido (Atos 15.6, At 13.1, At 14.4, etc), mas os primeiros cristãos não transformaram os dons em “pronome de tratamento” ou “alcunha” eclesiástica ministerial.
A história conta que a criação da hierarquia de forma institucionalizada veio a tomar corpo na época do Catolicismo Romano mais ou menos durante o surgimento dos metropolitanos e a sua evolução para o sistema Papal. De lá pra cá, perdemos a referência cristã de relacionamentos e de liderança nos moldes de Cristo. Acredito que seria bom se considerássemos esta questão com carinho e humildade e nos perguntássemos como realmente nos sentimos quando alguém nos trata fora do padrão religioso convencional e age com simplicidade nos chamando “apenas” de “amados irmãos” em vez de Pastor, Bispo, Apostila ou outra coisa semelhante. Acredito que hoje em dia estejamos carentes de mais simplicidade entre os protagonistas do ministério cristão.