Os discípulos receberam o Espírito Santo no primeiro dia que Jesus ressuscitou ou quando Jesus foi glorificado?
PERGUNTA:
Como comprovar biblicamente que a Igreja nasceu no dia de Pentecostes? Alguns afirmam que a Igreja nasceu no cenáculo no instante em que Cristo soprou sobre os discípulos e disse: Recebam o Espírito Santo (João 20.22). A partir daquele momento iniciou-se o processo do novo nascimento. Entendemos que no dia de Pentecostes houve o revestimento de poder, o batismo subsequente ao batismo em Cristo.
RESPOSTA:
O nascimento da Igreja de Cristo no dia de Pentecostes é algo relativamente fácil de se comprovar. Paulo afirma que a Igreja de Cristo está sendo edificada sobre o “fundamento dos apóstolos e profetas” (Efésios 2.20). Porém, não havia “profetas e apóstolos” antes do Espírito Santo ter sido dado. De fato, em Efésios 4.8-12 Paulo disse que somente depois que Jesus subiu ao céu ele concedeu dons aos homens. Então, ele menciona os dons ministeriais de Apóstolo, Profeta, Evangelista, Pastor e Mestre. Em seguida, confirmando o que ele havia declarado no capítulo dois, Paulo reafirma que estes dons de ministério foram concedidos para a “edificação do Corpo de Cristo” (Efésios 4.12). Em outras palavras, não havia o “fundamento dos apóstolos e profetas” sobre o qual a Igreja pudesse ser edificada, enquanto não houvesse os próprios Apóstolos e Profetas. Estes dons de ministério seriam concedidos por Jesus quando ele subisse para o céu.
Após ressuscitar, Jesus ficou aparecendo aos discípulos por quarenta dias. Porém, somente depois de subir de forma definitiva ao céu, “ele foi exaltado à destra de Deus e recebeu do Pai a promessa do Espírito Santo e o derramou sobre os homens” (Atos 2.33). Ninguém pôde receber o Espírito Santo, ou qualquer outro dom do Espírito, enquanto o próprio não havia sido dado. Observe o texto abaixo.
João 7.37-38
37 No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. 38 Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva.
Para um leitor desavisado, poderia parecer que o Espírito Santo já estava disponível naquele momento em que Jesus proferiu tais palavras: “Venha e beba, do seu interior fluirão rios…”. Todavia, Jesus não estava necessariamente dizendo que já era possível receber o Espírito Santo, embora estivesse mesmo falando sobre tal experiência quando ela estivesse realmente disponível. No versículo seguinte João explica este detalhe.
João 7.39
Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado.
Enquanto estava na terra, Jesus fazia apelos e convites para que as pessoas recebessem o Espírito Santo, e, frequentemente, anunciava esta futura vinda do Espírito, contudo, a experiência do recebimento do Espírito Santo só estaria realmente disponível quando finalmente Jesus tivesse sido glorificado ao assentar-se à direta da Majestade nas Alturas, como se pode observar no texto acima.
Diferentemente do que alguns pensam, João não estava dizendo que Jesus seria glorificado “quando ressuscitasse”, e sim, quando ele fosse colocado à direita de Deus no céu dos céus. Alguns podem se confundir com isso por causa do que a Bíblia ensina sobre o “corpo glorificado”. No entanto, a glorificação mencionada no texto diz respeito ao fato de Jesus ter sido posto à destra da majestade nas alturas. Não havia qualquer outra glorificação maior que essa.
Observe a explicação de Pedro no dia de Pentecostes.
Atos 2.15,22,23,32-35
15 Estes homens não estão embriagados, como vindes pensando, sendo esta a terceira hora do dia. 22 Varões israelitas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno… 23 sendo entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos; 32 A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. 33 Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis. 34 Porque Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo declara: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, 35 até que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés.
Se Jesus só receberia do Pai a promessa do Espírito Santo depois que lhe tivesse sido concedida a glória de assentar-se à sua destra, então, os crentes não poderiam receber o Espírito Santo antes disso.
Pedro está dizendo basicamente que Jesus foi morto, ressuscitou, ficou subindo ao céu e descendo pelo espaço de quarenta dias, quando, finalmente, subiu de forma definitiva e assentou-se à destra de Deus. Tendo sido glorificado com esta posição majestosa, recebeu do Pai a promessa do Espírito Santo e derramou “isto que vedes e ouvis”.
Depois, em Atos 10, Pedro presenciou uma experiência que, segundo ele, era semelhante ao que ele mesmo havia vivido em Atos 2. Observe:
Atos 10.44-47
44 Ainda Pedro falava estas coisas quando caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra. 45 E os fiéis que eram da circuncisão, que vieram com Pedro, admiraram-se, porque também sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito Santo; 46 pois os ouviam falando em línguas e engrandecendo a Deus. Então, perguntou Pedro: 47 Porventura, pode alguém recusar a água, para que não sejam batizados estes que, assim como nós, receberam o Espírito Santo?
Pedro mal começou a pregar o Evangelho da Salvação quando os que lá estavam creram e já foram batizados no Espírito Santo. Eles primeiro creram em Jesus e depois receberam o Espírito Santo, pois, como sabemos, uma pessoa não pode receber o Espírito antes de nascer de novo. Falando sobre a futura vinda do Espírito Santo, Jesus afirmou que “o mundo não o poderia receber” (João 14.17). Assim, primeiro a pessoa recebe a palavra, depois recebe o Espírito. O intervalo entre o recebimento da Palavra e o recebimento do Espírito, na experiência do povo de Cornélio foi mínima, porque, como as Escrituras ensinam, “todos eles estavam prontos para ouvir” (Atos 10.33). Quando as pessoas estão prontas para ouvir tudo o que vem da parte de Deus, as pessoas recebem muito mais facilmente.
O texto diz que os crentes que estavam com Pedro tinham certeza que os gentios tinham recebido o Dom do Espírito Santo, pois os ouviam falando em línguas. O “Dom do Espírito Santo” não são as línguas, é o próprio Espírito Santo. Por isso, Pedro, ao tomar a palavra, justifica o batismo nas águas destes novos crentes dizendo que “eles receberam o Espírito Santo do mesmo jeito que nós”. Pedro estava explicando que, ao ouvir eles falarem em línguas, ele sabia que eles tinham RECEBIDO O ESPÍRITO SANTO. Além disso, Pedro acrescentou que também tinha recebido o Espírito Santo exatamente da mesma forma, ou seja, com a evidência Bíblica de falar em outras línguas, como aconteceu no dia de Pentecostes, conforme registrado em Atos capítulo dois.
Quando Pedro testemunhou o que aconteceu na casa de Cornélio, o seu comentário foi: “Porventura, pode alguém recusar a água, para que não sejam batizados estes que, assim como nós, receberam o Espírito Santo?”. Pedro não parece estar sugerindo que tinha recebido o Espírito Santo antes da experiência de Atos 2. Ao contrário disso, ele está se identificando com a experiência dos crentes gentios da casa de Cornélio, e está afirmando que os gentios crentes “receberam do mesmo jeito que ele e os apóstolos”.
A verdade é que ninguém poderia ter recebido o Espírito Santo antes dele ter sido dado. O Espírito Santo só fora dado depois que Jesus foi exaltado à direita de Deus, no céu. Sendo assim, como interpretar corretamente o texto de João que você mencionou? Afinal, os discípulos teriam recebido o Espírito Santo no primeiro dia depois da ressurreição de Jesus ou somente depois de Jesus ter-se assentado à direta de Deus?
Há muitos textos que indicam que os discípulos não receberam o Espírito Santo no primeiro dia que Jesus ressuscitou. O texto de João 20.22 parece ser uma promessa de Jesus a respeito da futura vinda do Espírito Santo, como ele já havia feito outras vezes. Além disso, o texto de João talvez seja melhor compreendido à luz do registro de Lucas sobre o mesmo acontecimento e a mesma fala de Jesus. Observe a comparação entre os dois registros no parágrafo abaixo.
Em João 20.1 está escrito que era “o primeiro dia da semana”. Em Lucas 24.1 se diz exatamente a mesma coisa: “no primeiro dia da semana”. Em João 20.19 o texto diz que “ao cair da tarde daquele dia, o primeiro dia da semana”. Em Lucas existe o relato dos dois discípulos no caminho ade Emaús e o texto diz que “no cair da tarde daquele dia, Jesus entrou com os dois” e depois, desapareceu na frente deles. Logo em seguida, os dois foram para Jerusalém e encontraram os outros discípulos reunidos quando Jesus aparece a todos eles (Lucas 24.29-36). Em João 20.19 Jesus apareceu e os saudou dizendo: “Paz seja convosco”. Da mesma forma, em Lucas 24.36, o texto diz que Jesus apareceu e disse “Paz seja convosco”. João, de forma resumida, diz que Jesus “lhes mostrou as mãos e o lado” (João 20.20). Lucas, por sua vez, conta o mesmo episódio com mais detalhes em Lucas 24.39-40, mas, basicamente registra o mesmo fato, que Jesus “lhes mostrou as marcas da crucificação em seu corpo”. Em João 20.21,23 Jesus trata daquilo que chamamos de “a grande comissão”. Suas palavras registradas no Evangelho de João sobre isso, são: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos”. O registro de Lucas, como de costume, traz alguns outros detalhes: “Está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém. Vós sois testemunhas destas coisas” (Lucas 24.46-48). Logo em seguida, no texto de Lucas, ele acrescenta: “Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lucas 24.49). No texto de João, porém, a menção ao recebimento do Espírito na grande comissão, aparece da seguinte forma: “havendo dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” (João 20.22).
Uma vez que percebemos que os dois registros estão falando do mesmo dia, da mesma aparição e do mesmo momento, fica difícil pensar que, no texto de Lucas, Jesus estivesse falando de uma experiência futura, enquanto no Evangelho de João, ele estivesse falando de algo que poderia ser “recebido” naquele mesmo instante. É mais provável que João estivesse se referindo à mesma promessa registrada mais claramente no Evangelho de Lucas, ou seja, que, em breve, eles receberiam o Espírito Santo. Seria impossível se receber o Espírito Santo naquele dia, pois o Espírito ainda não havia sido dado, porque Jesus não havia ainda sido glorificado.
Embora a frase “soprou sobre eles” não apareça em alguns manuscritos gregos, talvez isto tenha cooperado bastante para a impressão de que eles estariam recebendo o Espírito Santo naquele mesmo instante. Pelo menos duas versões em Inglês vertem a frase de João 20.22 de uma forma que parece fazer mais sentido com o registro de Lucas. A versão “The Bible in Basic English” traduz que Jesus teria dito “Let the Holy Spirit come on you” (“…que o Espírito Santo venha sobre vocês”) e a versão “An Understandable Version”, traduz que Jesus teria dito “be willing to receive the Holy Spirit” (“estejam prontos para receber o Espírito Santo”).
Embora seja possível supor que naquele instante eles estivessem nascendo de novo, pois o novo nascimento não é um processo, é um acontecimento que ocorre numa fração de segundos, seria estranho as Escrituras chamarem a recriação do espírito humano de “recebimento do Espírito Santo”. O novo nascimento é aquele momento quando a pessoa passa da morte para a vida (1João 3.14), quando ela é transportada do império das trevas para o reino do filho do amor de Deus (Colossenses 1.13). Essa experiência não é chamada de “recebimento do Espírito Santo”, pois nesse instante a pessoa está saindo da trevas para a luz e está “recebendo a vida”, “recebendo a palavra” ou “recebendo Jesus”. O Recebimento do Espírito sempre vem depois, mesmo que sejam dois minutos depois. Sempre é uma experiência que vem depois do novo nascimento e a Bíblia não chama o novo nascimento de “recebimento do Espírito Santo”. Primeiro a pessoa nasce de novo ao receber Jesus e depois ela recebe o Espírito Santo, com a evidência bíblica de falar em outras línguas.
Tendo dito tudo isso, é justo comentar que há certas questões no texto grego que podem sugerir uma possível versão diferente das mais populares. A Bíblia Peshitta, da BvBooks, publicada em Português no ano de 2019, traduziu o texto de João 20.22 da seguinte forma: “E havendo dito isto, assoprou neles e lhes disse: Recebei o Espírito de Santidade”. Não fica absolutamente claro que eles tenham pretendido se referir à pessoa do Espírito Santo, mesmo que tenham usado as palavras Espírito e Santidade com suas iniciais maiúsculas, pois sua tradução foge bastante da ideia mais popular. Talvez, e somente talvez, os editores não tenham tido certeza se a frase original se referia ao Espírito Santo ou a uma mudança no próprio espírito dos discípulos. Digo isso porque o artigo definido “o” não aparece no texto grego, o que poderia significar que, no registro de João, Jesus não estaria falando necessariamente do recebimento “do Espírito Santo”, mas de “um espírito santo”, ou seja, isso poderia significar que Jesus estava falando sobre eles receberem “um novo espírito, santo” e não “o Espírito” de Deus. Se esta for uma possibilidade real, isso significaria que, naquele dia, Jesus poderia ter falado tanto sobre o novo nascimento, quanto do futuro recebimento do Espírito Santo no dia de Pentecostes. João teria registrado a parte em que Jesus teria falado do “novo nascimento”, enquanto Lucas teria mencionado apenas o Espírito Santo que os crentes iriam receber num futuro próximo.