O Cristão e o Jejum
O jejum era prática conhecida e muito comum entre os judeus, especialmente entre os judeus religiosos e tementes a Deus. Não precisamos ir muito longe para perceber isso, os próprios textos do Novo Testamento apontam para este fato. Em Lucas 2.36, 37 está escrito que “havia uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, avançada em dias, que vivera com seu marido sete anos desde que se casara e que era viúva de oitenta e quatro anos. Esta não deixava o templo, mas adorava noite e dia em jejuns e orações”. Não que o texto queira dizer que ela adorava por meio dos jejuns que fazia, mas, obviamente, ela adorava e também fazia jejuns. Em Lucas 5.33 também vemos que os discípulos de João Batista e os fariseus faziam muitos jejuns e orações. As orações e os jejuns não são uma novidade cristã, pois já eram conhecidos e praticados por muitos judeus, o que Jesus fez foi trazer um novo conceito a respeito do assunto.
Jesus não se apressou a ensinar seus discípulos a orar ou a jejuar, como faziam os outros religiosos da época, pois Jesus queria conduzi-los por um caminho diferente em seus relacionamentos com Deus. A aparente demora de Jesus em ensinar sobre o assunto aos seus discípulos fora percebida tanto pelos seguidores, quanto pelos opositores. Escribas e fariseus indagavam a Cristo porque seus discípulos “não jejuavam” e até os próprios discípulos lhe pediram: “Senhor, ensina-nos a orar como também João ensinou aos seus discípulos” (Lucas 5.30,33, Lucas 11.1). A razão de Jesus esperar o tempo certo para ensinar seus discípulos sobre oração e jejum é que ele não queria que seus alunos misturassem os conceitos antigos com a nova perspectiva que ele pretendia oferecer. Os próprios discípulos de João vieram tomar satisfação pessoalmente com Jesus sobre esse assunto e lhe perguntaram: “por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes, e os teus discípulos não jejuam?” (Mateus 9.14). É neste ponto que Jesus apresenta um pouco daquilo que pensa:
Jesus parecia querer preparar os discípulos para um novo tempo, um novo estilo de vida e um novo tipo de relacionamento com Deus. Misturar os conceitos religiosos da época com o que ele pretendia ensinar, poderia por tudo a perder. Em outras palavras, tentar tapar buraco de pano velho com pedaço de pano novo, não resolveria a questão, e, na verdade, intensificaria ainda mais o problema anterior. O buraco ficaria maior. Da mesma forma que, para conservar um suco de uva sem fermentar, seria preciso usar recipientes novos, sem os velhos requícios da fermentação de sucos anteriores, pois isso geraria uma reação em cadeia impossível de ser contida. Todas estas figuras apontavam para o rompimento com o velho e a preparação para o novo nascimento, a futura recriação do espírito humano, que habilitaria o homem a ter uma nova relação com Deus no período da Nova Aliança que iria se estabelecer.
Observe também que quando Jesus explicou sobre o porquê dos seus discípulos não jejuarem a exemplo do que faziam os religiosos da época, ele associou sua resposta ao fato de que “não havia motivo para tristeza enquanto Jesus estivesse com eles”. Jesus disse: “podem, acaso, estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo, e nesses dias hão de jejuar”. Ele não estava falando necessariamente sobre os futuros jejuns que seriam praticados pela Igreja do período da Nova Aliança. Jesus parecia estar simplesmente contrastando a alegria dos discípulos na ocasião, com a falsa tristeza dos religiosos que a justificavam através dos seus muitos jejuns. Porém, em outro lugar, Jesus também disse que quando ele fosse morto e estivesse no ventre da terra por três dias, seus discípulos se entristeceriam, e, nesse tempo, eles certamente iriam jejuar.
No texto acima, vimos que Jesus disse que “os discípulos se entristeceriam quando Jesus fosse tirado deles”, depois, porém, “eles se alegrariam e essa alegria jamais poderia ser tirada”. Nesta ocasião Jesus estava falando de forma mais objetiva sobre sua morte e ressurgimento, e, nesse contexto, ele repetiu o que havia falado no texto anterior sobre jejum e a tristeza que sentiriam quando Jesus lhes fosse tirado. Em muitos contextos, o jejum está associado à contrição, à tristeza, ao lamento e ao quebrantamento religioso. Os jejuns praticados na Antiga Aliança não serviriam de comparação ao padrão de jejuns da Nova Aliança, por isso, tratando sobre o jejum e outras mudanças que iriam ocorrer, Jesus havia dito que não se podia “remendar buraco de pano velho com pedaço de pano novo” (Lucas 5.33-39). As orações, os jejuns e a prática religiosa do crente da Nova Aliança é sem comparação com os padrões da Antiga Aliança, que, por sua vez, perdurou somente até à morte e ressurreição de Jesus e à vinda do Espírito Santo. Muito do que Jesus ensinou, ele o fez ainda debaixo da Antiga Aliança, embora ele estivesse sempre apontando para o futuro e para o novo estilo de vida com Deus que iria se firmar muito em breve.
Algunas vezes nos confundimos um pouco e misturamos textos que aparecem nos Evangelhos com as instruções escritas e direcionadas epescificamente à Igreja de Cristo que aparecem nas epístolas. Além disso, nem tudo que está registrado no livro sagrado é necessariamente uma ordenança ou mandamento para o cristão. Toda a Escritura inspirada é útil, mas nem tudo que está escrito é ordenança ou mandamento. Não é porque há textos no Novo Testamento que dizem que irmãos na Igreja de Jerusalém compartilhavam seus bens uns com os outros, que isso deva ser imposto como mandamento em todas as comunidades cristãs espalhadas pelo mundo. Aquele é o registro do que aconteceu na igreja local de Jerusalém e não uma ordenança do que deve ser feito em todas as igrejas do mundo, como um mandamento ou obrigação.
Da mesma forma, encontraremos registros de crentes da Nova Aliança jejuando, só não encontramos mandamento ou ordenança para que jejuem. Temos ordenças diretas para muitas coisas: “Alegrai-vos”, “suportai-vos”, “perdoai-vos”, “amai-vos”, “humilhai-vos”, “afligi-vos”, “lamentai”, “chorai”, “orai”, etc. (Romanos 12.15, Filipenses 4.4, Colossenses 3.31, Romanos 12.10, Tiago 4.9,10, 1Tessalonicenses 5.17). Porém, não há qualquer ordem ou mandamento dizendo “jejuai”. De forma prática, o jejum acontece quando um crente decide pular uma ou mais refeições enquanto está em oração servindo a Deus.
O jejum não deveria ser uma “oferenda” ou um “sacrifício” em troca de alguma coisa. Não é uma “moeda espiritual” pela qual convenço Deus de alguma coisa. Deus é o mesmo antes, durante e depois do jejum de um crente e Deus não atende orações por causa de jejuns, Deus atende orações por causa da fé. A fé vem por ouvir a palavra de Deus e não por falta de comida ou por passar forme. Embora o jejum não mude Deus, ele pode mudar a pessoa que o pratica, pois pode aumentar sua sensibilidade espiritual uma vez que ele abre mão da alimentação física enquanto se dedica à oração e à leitura da Palavra. Porém, se a pessoa deixa de comer e segue sua vida normalmente, viajando, conversando com amigos, trabalhando, etc. isso não seria exatamente o “jejum bíblico”, seria apenas mais um estilo de vida supostamente saudável, sobre o qual algum nutricionista ou médico poderia sugerir em suas mídias sociais. Também acho que não precisamos ser críticos em relação isso. Penso que é sempre positivo ouvir bons conselhos e experiências individuais, ainda mais de pessoas mais experientes, seja sobre saúde ou sobre alimentação. Só acho que precisamos deixar cada coisinha em seu devido lugar e não misturar os contextos.
Outros, pensam que jamais poderia haver “santificação profunda” na vida de alguém sem a prática do jejum. Porém, o caminho para a santificação não passa necessariamente pelo jejum. Ou seja, alguém que se santifica PODE jejuar, mas isso não significa que NÃO HAVERÁ santidade sem jejum. Na verdade, penso que é o contrário disso. A pessoa não jejua “para se santificar”, não jejua para “alimentar o espírito” e não jejua “para tirar tempo com Deus”. Penso que é exatamente o contrário: É exatamente porque a pessoa está em oração e comunhão com Deus que ela decide pular algumas refeições para não parar o que está fazendo. Atos 13 diz que “os irmãos serviam ao Senhor e jejuavam…”. A expressão “servir ao Senhor”, usada ali, está fazendo referência ao fato de que eles estavam em oração e não realizando algum tipo de “serviço” ministerial. O que parece é que eles estavam em um período de oração, em consagração e comunhão com Deus, e por isso, decidiram ficar nessa condição por pelo menos mais de 3 ou 4 horas, a ponto de terem pulado algumas refeições. O que parece é que os crentes oravam, e, por isso, acabaram jejuando, e não que, jejuavam, e por isso, acabaram orando. Dependendo do tempo que um crente fica em oração, ele pode acabar jejuando, basta que ele decida continuar assim e não parar para fazer algumas refeições.
O jejum é uma bênção para quem o pratica, mas isso não é a mesma coisa de dizer que só quem faz jejum uma vez por semana será abençoado, ou, que aquele que não jejua, não terá bençãos “mais profundas” sobre sua vida. O jejum aparece no Novo Testamento como uma prática citada esporadicamente, mas nunca como uma ordenança ou mandamento cristão. Embora em momentos de oração o crente possa decidir não parar e se alimentar fisicamente, e assim, acabe jejuando, e isso o abençoe de alguma forma deixando-o mais sensível; não se pode dizer que quem não jejuar “será um crente raso”, ou “estará pecando” ou “desobedecendo à Palavra de Deus”. Qualquer imposição para a prática do jejum, seja de forma individual ou comunitária, não estará seguindo necessariamente um exemplo do Novo Testamento. Isso não significa que algum líder não possa inspirar os irmãos a fazer um período de oração em comunidade. Quando os irmãos perseveram em oração por algumas horas, logicamente que jejuarão, pois terão que pular algumas refeições, mas, é sempre bom entender a diferença entre “o jejum praticado porque estou em oração” e a “oração praticada porque estou jejuando”. O jejum não é uma oferenda, uma ordenança ou uma moeda de troca, o jejum é a simples consequência do estilo de vida do crente que ora por muito tempo.