PREDESTINADOS
PERGUNTA
Como entender Efésios 1.4?
RESPOSTA
De preferência, de forma bíblica, através do próprio contexto imediato e do contexto mais abrangente. Tentando extrair o sentido pretendido por Paulo e não tentando inserir sentido a partir de filosofias externas, oriundas do Maniqueísmo, como fazem os herdeiros espirituais de Agostinho. O Maniqueísmo, de onde surgiu o que hoje se chama de “calvinismo”, pregava que as pessoas já nascem em castas predeterminadas, das quais não se poderia sair, e que isso determinava se alguém estaria entre os “eleitos” à comunhão com o divino ou presos ao destino de trevas e punição. O Maniqueísmo fora o desdobramento de uma seita cristã conhecida como gnosticismo, que, por sua vez, criava interpretações deturpadas das Escrituras, adequando suas ideias predestinistas e fatalistas aos termos contidos na Bíblia. Porém, a doutrina realmente bíblica da Eleição não ensina qualquer tipo de “escolha de indivíduos para a vida eterna” ou a “predeterminação divina unilateral para destinos individuais”.
As Escrituras ensinam Deus escolhendo indivíduos para desempenhar funções dentro de um plano maior, mas sem que isso tenha qualquer implicação com respeito à sua salvação ou destruição eterna, como por exemplo, Ciro, Isaque, Jacó, Paulo, etc. Indivíduos divinamente separados para desempenhar certas tarefas não são automaticamente destinados à salvação. Uma coisa não tem necessariamente relação com a outra. Abraão, por exemplo, fora escolhido por Deus para que, nele, todas as pessoas da terra pudessem ser abençoadas. Em outras palavras, Deus queria que Abraão e os seus descendentes desempenhassem a tarefa de refletir e anunciar a graça de Deus por todos os homens, pois Deus quis que “a salvação viesse dos judeus” (Jo 4.22, Rm 15.27). Porém, isso não quer dizer que automaticamente todos os judeus seriam salvos por causa desta tarefa que lhes foram concedida. De fato, Romanos 9 é o ápice da argumentação de Paulo de que a vida eterna não estava predestinada ao povo eleito. Embora a Palavra de Deus tenha sido enviada primeiramente aos judeus, para que, também por eles, ela pudesse alcançar o mundo, Paulo explica que não devemos pensar que a palavra de Deus haja falhado pelo fato de que nem todos de Israel são, de fato, israelitas. E daí? Se alguns dos judeus não creram, a incredulidade deles virá desfazer a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma!
A Bíblia parece ensinar o que poderíamos chamar de “eleição corporativa” e “eleição individual”, mas, cada uma tendo suas próprias implicações. Em relação à salvação eterna, Deus parece ter decidido que todos quantos estiverem em Cristo, serão salvos. Em outras palavras, os salvos serão eleitos EM Cristo Jesus, e, fora dele, não haverá salvação. De maneira que todo aquele que nele crer, não perecerá, mas terá a vida eterna. Quem estiver em Cristo, estará destinado à salvação que vai se manifestar no último tempo (1Pedo 1.5). Lembre-se que o derramamento do sangue de Jesus não foi apenas para a redenção dos nossos pecados, mas também para a expiação dos pecados do mundo inteiro! (1Jo 2.2). No capítulo um de Efésios, Paulo está afirmando que todas estas bênçãos espirituais estão disponíveis aos homens EM Cristo Jesus, ASSIM COMO, também está EM Cristo, a eleição para a comunhão com Deus.
³ Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; ⁴ Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor…
Efésios 1.3,4
Quem crê em Cristo, é considerado “eleito de Deus”. Não no sentido de ter sido escolhido individualmente para ser salvo, mas no sentido de que, ao ser salva pela fé em Cristo, tal pessoa é automaticamente selecionada e destinada a usufruir de todos os benefícios disponíveis em Cristo Jesus, tanto daqueles relacionados à vida que agora é, como também dos benefícios da vida que está por vir. Deus, em sua sabedoria, e de acordo com seus planos, quis que as coisas fossem assim, e assim decidiu e estabeleceu “antes da fundação do mundo”.
Além disso, é importante mencionar que no versículo seguinte Paulo diz que Deus “nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo”. Da mesma forma, muitos que não entendem isso, pensam que Paulo estaria falando sobre as pessoas serem destinadas a “virarem crentes”, como se o texto estivesse falando sobre “pessoas sendo predestinadas para crer em Jesus”. Porém, Paulo está na verdade falando sobre crentes sendo destinados a alguma coisa e não de pessoas sendo destinadas a virarem crentes.
O problema na interpretação dos que raciocinam desta forma se deve ao fato de que eles confundem a expressão “adoção de filhos”, usada unicamente por Paulo no Novo Testamento, com a ideia de que aquele que se converte se torna “filho adotado de Deus”. Eles acham que Paulo estaria dizendo que “quem foi salvo, o foi, por ter sido predesetinado para ser adotado como filho de Deus”, o que não faz o menor sentido. Primeiro, porque os filhos de Deus na Nova Aliança não são “adotados”, eles são GERADOS pela própria semente de Deus! Assim como há a semente das árvores, também há a semente dos animais, a semente do homem e a semente de Deus (1João 3.9, 1Pedro 1.123). João afirmou que DE FATO somos filhos de Deus (1João 1.1)! O crente não é apenas “considerado como filho”, ele é de fato regenerado, recriado. O crente nasce de novo espiritualmente, e, por isso, as Escrituras o consideram filho de Deus de nascença! Não fomos “recauchutados”, fomos regenerados pela divina semente do nosso Pai. O dicionário das palavras gregas do Novo Testamento de W.E. Vine explica que o sentido pretendido por Paulo para esta palavra não era o mesmo da palavra “adoção” que usamos em nossa sociedade. De fato, o próprio Paulo explica o que tinha em mente quando se refere àquilo que ele chamou de “adoção de filhos”. Em Romanos 8.23 Paulo disse que “não somente a criação sofre e suporta angústias até agora, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos: a redenção do nosso corpo”.
E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo…
Romanos 8.23
Paulo estava usando a ideia da ressurreição e transformação final dos nossos corpos para dizer que somente então seremos feitos filhos de Deus em poder, para sempre! Esta é a única “adoção de filhos” ensinada por Paulo, a futura redenção do nosso corpo! Em Lucas 20.36 Jesus também disse que os homens se tornarão filhos de Deus ao passarem pela ressurreição dos justos. Segundo Paulo, o próprio Jesus foi declarado “filho de Deus em poder através da ressurreição dos mortos” (Romanos 1.1.-4). De fato, ao ressuscitar, Jesus é chamado de “Primogênito dentre os mortos”, o primeiro gerado entre muitos irmãos (At 26.23, At 13.32,33, Ap 1.5, Rm 8.29).
ΠΡΟΟΡΙΣΩ
A palavra grega para “predestinação” aparece apenas 6 vezes em todo o Novo Testamento, e, em nenhuma delas, o texto dá a entender que seres individuais tenham sido destinados à salvação ou à perdição. No entanto, muitos predestinistas desavisados usam alguns destes textos para justificar exatamente isso. Porém, ao se compreender a verdadeira predestinação ensinada por Paulo, percebemos que as pessoas estão apenas tentando inserir sentido dentro dos textos bíblicos e não tentando extrair o sentido que eles contém.
Os textos onde a palavra grega para predestinação aparece no Novo Testamento são: 1Coríntios 2.7, Atos 4.28, Romanos 8.29, Romanos 8.30, Efésios 1.5 e Efésios 1.11. Vejamos estas passagens logo abaixo.
Falamos a sabedoria de Deus em mistério, outrora oculta, a qual Deus PREORDENOU desde a eternidade para a nossa glória..
1Coríntios 2.7
No texto acima, Paulo está usando a palavra grega para predestinação (traduzida nesta versão por “preordenar”) para dizer que a sabedoria de Deus nos foi destinada para a nossa glória. Nada relacionado à qualquer suposto destino de perdição ou de salvação estabelecido para indivíduos.
²⁶ Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido; ²⁷ porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, ²⁸ para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito PREDETERMINARAM…
Atos 4.26-28
Na oração feita pelos irmãos em Jerusalém, registrada no texto acima, existe o reconhecimento de que Deus fez com que o resultado obtido fosse o descrito. O texto não fala qualquer coisa sobre “destino eterno de indivíduos estabelecido por Deus de forma unilateral”. Deus, em seu relacionamento com o homem, por sua posição muito mais elevada e absurdamente privilegiada, tem condição de fazer isso de forma soberana. Assim como um grande enxadrista, que, antecedendo dezenas de jogadas na frente, entrega a Dama para logo em seguida dar o Xeque-Mate e sair vitorioso no jogo, a grosso modo, semelhantemente Deus, que, conduzindo as coisas de forma tal, fez com que seu plano de redenção por todos os homens através da morte de Cristo não fosse frustrado.
²⁹ Porquanto aos que de antemão conheceu, também os PREDESTINOU para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. ³⁰ E aos que PREDESTINOU, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou.
Romanos 8.29,30
O capítulo 8 da carta de Paulo aos romanos contém a explicação verdadeiramente bíblica do que ele ensinava sobre a predestinação dos crentes. Observe a diferença entre a interpretação maniqueísta da “predestinação para ser crente” e o ensinamento de Paulo da “predestinação de quem se torna crente”. Aos que Deus anteriormente conheceu, a estes predestinou. Mas, os destinou a que? Os destinou para terem a mesma imagem de seu filho, para que, assim, Cristo fosse “o primeiro gerado entre muitos irmãos”. Paulo não está falando sobre a imagem que Jesus teve quando andou na terra, mas sobre a imagem que Jesus tem hoje, no céu.
Ao longo de todo o contexto de Romanos 8, Paulo está ensinando sobre a futura transformação do nosso corpo. Ele afirma que assim como Cristo sofreu e foi glorificado, também nós, hoje sofremos, mas também seremos glorificados. Os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória que há de ser revelada em nós, pois, embora suportemos angústias até agora, estamos aguardando a futura “adoção de filhos”, que é a redenção do nosso corpo. Assim, como os sofrimentos produzem para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, estes mesmos sofrimentos da vida presente cooperam para o nosso bem, pois eles operam em harmonia com o propósito de Deus para a nossa futura glorificação. Paulo não está falando que fomos predestinados para seremos o que Jesus foi enquanto esteve na terra, o que Paulo ensina é que que somos predestinados para sermos o que ele é hoje, no céu. A imagem gloriosa que Jesus possui hoje é o nosso verdadeiro destino!
Somente depois de nos familiarizarmos com a terminologia usada por Paulo em seus ensinamentos é que podemos compreender de que predestinação Paulo estava falando quando escreveu o texto aos efésios.
⁵ nos PREDESTINOU para ele, PARA A ADOÇÃO DE FILHOS (a redenção do nosso corpo), por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade… ¹¹ nele, digo, no qual fomos também feitos herança, PREDESTINADOS segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade…
Efésios 1.5
Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu único filho, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Assim, a todos que o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus também. Jesus, segundo a carne, foi reconhecido como filho de Davi, mas foi declarado filho de Deus em poder pela ressurreição dos mortos, para que, assim, ele mesmo fosse o primeiro gerado entre muitos irmãos. Jesus é o protótipo deste novo homem criado em si mesmo.
Deus, por sua soberana vontade, predestinou todos os crentes a serem conformes à imagem do seu filho. Não a imagem que Jesus teve, mas a imagem que Jesus tem. Sabemos, no entanto, que a imagem atual do filho de Deus ainda não está manifesta, e sim oculta em Deus. Quando, porém, Cristo se manifestar, nós também seremos manifestados com ele, em glória. Hoje, de fato, somos filhos de Deus, mas ainda não se manifestou como a gente vai ser. Sabemos que, quando Cristo finalmente se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é (Jo 3.16, Jo 1.12, Rm 1.1-4, Rm 8.29, Ef 1.15, Rm 8.29, Cl 3.3,4, 1Jo 3.1-3).
Em outras palavras, hoje, nesta terra, somos o que ele foi, mas estamos predestinados para que, um dia, sejamos o que ele é! Por isso aguardamos Jesus, nosso salvador, o qual, quando vier, transformará nosso corpo de humilhação para ser igual ao corpo da sua glória (Fp 3.20,21).