Provas de Predestinismo Antes de Agostinho no texto de Irineu?
Provas de Predestinismo Antes de Agostinho no texto de Irineu?
Outro dia, um rapaz relativamente irritado, como normalmente acontece com calvinistas recalcitrantes, veio até uma postagem associada a mim, que tratava sobre o predestinismo gnóstico, e disse o seguinte:
“Portanto, quando se completar o número [estabelecido], aquele número que Ele havia pré-determinado em Seu próprio conselho, todos os que foram inscritos para a vida [eterna] ressuscitarão.”
Após a frase, o rapaz acrescentou o seguinte: “Irineu de Lyon — Segura essa agora, e vem dizer que antes de Agostinho ninguém defendia a eleição”.
Bom, lá vamos nós outra vez….
Não dá pra saber de onde essas pessoas tiram essas ideias, pois, certamente, não é do próprio texto que, ousadamente, citam. Na verdade, tudo indica que os citadores das frases não as leram pessoalmente, mas, possivelmente, as conheceram porque devem ter visto alguém que eles seguem e confiam, citá-las como “provas do predestinismo antes de Agostinho”.
O rapaz não citou a referência específica do texto de Irineu para a conferência, mas, hoje em dia, não temos mais dificildade para encontrar frases soltas de livros antigos, mesmo que a referência de onde ela se encontra não tenha sido dada. Basta uma breve pesquisa na Internet e encontramos tudo. A referência exata do texto em questão se encontra na obra Contra as Heresias, livro II, Capítulo 33, verso 5. No entanto, o texto não está falando do assunto que convenceram aquele rapaz que estaria, mas de outra coisa totalmente diferente. Não apenas diferente, como até mesmo contradizendo a interpretação predestinista que venderam ao rapaz.
Na versão em português da Editora Paulus (páginas 238 e 239) o texto está mais ou menos assim:
33,5. Por isso, se ela [a alma] não lembra nada do passado, mas tem o conhecimento das coisas presentes, nunca esteve em outros corpos, nunca fez o que não conhecia, nem conhece o que não viu. Como cada um de nós recebe da arte de Deus o próprio corpo assim tem a sua própria alma, porque Deus não é tão pobre e indigente que não possa dar a cada corpo a sua alma e seu próprio caráter. E por isso, quando for completado o número que ele preestabeleceu, todos os inscritos na vida ressurgirão com seu corpo, sua alma e seu espírito com os quais agradaram a Deus; e os que mereceram os castigos recebê-los-ão, com suas almas e seus corpos nos quais se afastaram da bondade divina. E tanto uns como os outros deixarão de gerar e de ser gerados, de casar-se e tomar maridos, e completada a multidão do gênero humano predefinida por Deus e atingida a perfeição, conservem a harmonia recebida do Pai.
Irineu não estava falando nem de eleição, nem de predestinação. Irineu estava simplesmente refutando as ideias gnósticas de transmigração das almas e reencarnações. No verso seguinte, no 34.1, Irineu diz “O Senhor ensinou clarissimamente que as almas não só perduram sem passar de corpo em corpo, mas conservam imutadas as características dos corpos em que foram colocadas e se lembram das ações que fizeram aqui na terra e das que deixaram de fazer. É o que está escrito na história do rico e de Lázaro que repousava no seio de Abraão”. No final do mesmo verso, ele acrescenta: “Tudo isso supõe clarissimamente que as almas permanecem, sem passar de corpo em corpo, que possuem as características do ser humano, de sorte que podem ser reconhecidas e que se recordam das coisas daqui de baixo (…) e que cada alma recebe o lugar merecido mesmo antes do dia do juízo”.
Como se vê, Irineu não tratava de outra coia, senão da refutação das reencarnações gnósticas. Quando ele disse “ao se completar o número estabelecido, aquele número que ele havia pré-determinado em seu próprio conselho”, Irineu se referia ao número total de almas que viriam a existir, e não sobre uma espécie de “número fixo de eleitos e predestinados ao céu”, como algumas pessoas, com dificuldade na interpretação de textos, poderia sugerir. De fato, o próprio Iirneu diz isso em seu livro, veja:
A frase citada pelo rapaz é proferida um pouco antes: “E por isso, quando for completado o número que ele preestabeleceu….”, e o restante do que Irineu iria dizer sobre a mesma expressão, vem um pouco depois: “e completada a multidão do gênero humano predefinida por Deus”.
Ao combater a ideia da “existência prévia das almas” e suas supostas “sucessivas reencarnações”, Irineu estava simplesmente afirmando que uma nova alma é criada por Deus para cada novo corpo que nasce. E, consequentemente, Irineu diz que isso continuará assim até “se completar o número da multidão do gênero humano, como o próprio Deus preestabeleceu”. Irineu estava apenas se opondo às ideias gnósticas de preexistência e reencarnação ao afirmar que o número total de almas que virão a existir foi preestabelecido por Deus.
LIVRE ARBÍTRIO E JULGAMENTO JUSTO
Como dissemos no início deste texto, além do assunto ser outro completamente diferente, a citação preciptada do rapaz ainda contradiz suas pressuposições predestinistas. Observe:
Irineu disse: “Todos os inscritos na vida ressurgirão com seu corpo, sua alma e espírito, com os quais agradaram a Deus; E os que mereceram os castigos recebê-los-ão, com suas almas e seus corpos nos quais se afastaram da bondade divina. E tanto uns como os outros deixarão de gerar e de ser gerados”.
O problema dos calvinistas que fazem das tripas coração para tentar provar o predestinismo na Igreja Primitiva, ou seja, antes de Agostinho, é que eles ficam obstinados e cegos. O rapaz que citou o texto acreditou em seu professor que lhe convenceu que Irineu estava dizendo que, “quando se completasse o número estabelecido de eleitos, aquele número que Ele havia pré-determinado em Seu próprio conselho, todos os que foram inscritos para a vida [eterna] ressuscitarão”. O professor do rapaz deve ter pensado: “Irineu está pregando o mesmo predestinismo que nós, e do mesmo jeitinho que nós falamos hoje, afinal, não tem como ser outra coisa, pois na sua frase tem a expressão número estabelecido, tem a expressão pré-determinado, também aprece outra coisa que gostamos muito de usar que é a expressão seu próprio conselho, então, deve ser por isso que Irineu diz que apenas os eleitos, inscritos para a vida, ressuscitarão“. Se você está acompanhando esse texto até aqui, você já percebeu o erro de interpretação cometido por eles, certo?
Irineu não estava falando de qualquer suposto “número fixo de eleitos pré-determinado para a vida eterna”, Irineu estava falando que Deus, em sua sabedoria e soberania, havia determinado um número total para as almas que viriam a existir, e que cada uma dessas pessoas, individualmente, receberia de acordo com as suas obras.
Veja mais uma vez o que Irineu realmente disse: “Todos os inscritos na vida ressurgirão com seu corpo, sua alma e espírito, com os quais agradaram a Deus; E os que mereceram os castigos recebê-los-ão, com suas almas e seus corpos nos quais se afastaram da bondade divina. E tanto uns como os outros deixarão de gerar e de ser gerados”. Para completar essa primeira afirmação, veja o finalzinho do 34.1, “cada alma recebe o lugar merecido”.
Este é o Cristianiamo verdadeiro, sem firulas nem xurumelas. Trocando em miúdos:
Cada um receberá de acordo com suas próprias obras, quem agradou a Deus ressurgirá em seus corpos para a vida eterna e quem se afastou e rejeitou a bondade divina receberá os catigos que merece, pois todos, cada um individualmente, receberá o que for merecido.
EXERCÍCIO PRÁTICO PARA VOCÊ LEITOR
A verdade é que, ao longo de todos os volumes do livro Contra as Heresias, Irineu defende veementemente o livre-arbítrio e a justa retribuição divina pelo bem ou pelo mal que houverem sido praticados pelos homens. Irineu nunca mudou isso em toda sua obra, porém, os professores predestinistas de hoje tem mesmo esse costume de pegar uma frase curta aqui e ali para tentar dizer que, “acharam uma prova do predestinismo antes de Agostinho”.
O fato é que muitos calvinistas não erram apenas na interpretação dos textos bíblicos. Pelo visto, eles parecem ter algum tipo de problema na interpretação geral de qualquer texto onde porventura apareçam as palavras “predeterminar”, “predestinar”, “preordenar”, “preestabelecer” ou qualquer coisa semelhante. É uma espécie de trava mental que os impede de enxergar as coisas como realmente são.
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“Existe algum texto cristão da patrística antes de Agostinho combatendo o livre arbítrio e defendendo a salvação por decreto unilateral da parte de Deus?”
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