Rússia: “Nós avisamos os americanos sobre o Estado Islâmico”
Uma piada que circula entre autoridades russas com um grande interesse no que está acontecendo no Oriente Médio nos dias de hoje diz algo mais ou menos assim: como é que os ianques lidam com o Estado Islâmico? Eles vão criar “Estado Islâmico 2″, um grupo armado maior e melhor, e deixá-lo lidar com o Estado islâmico original. E o que acontece quando o “Estado Islâmico 2″ se voltar contra eles, como aconteceu com o Estado Islâmico original? Eles vão criar o “Estados Islâmico 3″ e assim por diante.
Mas o surgimento e a propagação do Estado Islâmico não é brincadeira. Agora que os EUA e seus aliados finalmente despertaram para os perigos do grupo extremista, a preocupação em Moscou é que os exaltados no Pentágono e na sede da OTAN em Bruxelas decidam começar a atacar posições do Estado Islâmico na Síria juntamente com “outros alvos” – por exemplo, as posições do exército sírio.
Barack Obama já anunciou seu plano para lidar com o grupo, prometendo uma “grande coalizão” que vai “reverter esta ameaça terrorista”. Em Moscou, o medo é que os EUA vão aproveitar esta oportunidade para intervir na Síria.
O cenário líbio
De acordo com Valeriy Fenenko, do Centro para a Segurança Internacional de Moscou, os EUA podem realmente usar a presença do Estado Islâmico na Síria como um pretexto para implementar o “cenário líbio”.
“Os americanos serão obrigados a tentar compensar o fracasso do ano passado”, diz ele. “No começo, serão ataques aéreos contra os terroristas e, em seguida, em paralelo, poderão ajudar a oposição moderada. Os Estados Unidos podem começar uma interferência problemática como aconteceu na Bósnia”.
Em qualquer caso, os esforços diplomáticos russos estão em pleno andamento. De acordo com uma fonte da Rússia, Moscou está tentando impedir possíveis ataques aéreos na Síria pelos EUA, Reino Unido e outros, da mesma forma que fez no ano passado, quando o perigo de ataques aéreos foi crescendo a cada dia.
“A ameaça de uma guerra regional que pode se transformar em uma guerra mundial é levada muito a sério pelo Kremlin. E esse cenário está nas cartas de novo”, afirma.
O sentimento em Moscou é que a recente reunião da OTAN em Newport, País de Gales, perdeu uma grande oportunidade de envolver a Rússia na busca de uma solução para o crescimento do Estado Islâmico e outros grupos militantes a ele associados em todo o Iraque e no Oriente Médio em geral. Sem contar a ameaça muito real de esses homens violentos entrarem em países europeus ou mesmo os EUA.
“Os russos vêm alertando os americanos desde que a guerra civil eclodiu na Síria que era muito perigoso armar a oposição”, disse um ex-general russo que estava no comando da operação anti-terrorista. “Não havia nenhuma possibilidade de que as armas destinadas à chamada oposição moderada não fossem acabar com os membros do Estado islâmico”.
Os mesmos bandidos
O que preocupa as autoridades russas é a recusa obstinada do governo Obama em falar com o governo do presidente Bashar al-Assad sobre um possível esforço conjunto para derrotar o Estado Islâmico na Síria. Como o Ministro das Relações Exteriores Sergey Lavrov disse recentemente, não faz sentido para o Ocidente ajudar o governo iraquiano a combater o Estado Islâmico e negar cooperação para Assad, que está lutando contra “os mesmos bandidos”.
Alguns analistas russos dizem que o maior problema da crise atual é que o Estado Islâmico faz suas campanhas de recrutamento não apenas no Oriente Médio, mas também na Europa. Diferentes dados são citados sobre o número de europeus que se juntaram às fileiras do grupo nos últimos meses, mas se você considerar que o número aumentou – de acordo com estimativas da Rússia, de 6 mil em junho para mais de 30 mil hoje – pode-se supor que estamos falando de milhares de jovens muçulmanos que saem da Europa para lutar no que eles acreditam ser uma guerra santa.
A guerra sem sentido em Gaza provavelmente impulsionou a campanha de recrutamento do grupo, tornando mais fácil a alegação de que o Ocidente e Israel são máquinas de aniquilar os muçulmanos no Oriente Médio. Ainda não está claro por que motivo as forças armadas de Israel atacaram Gaza durante o mês sagrado muçulmano do Ramadã e conduziu ataques aéreos que tiveram um forte impacto sobre a população civil.
Na opinião de especialistas russos, isso parecia mais uma cortina de fumaça para os problemas dos Estados Unidos no Iraque e na Líbia, em vez de uma tentativa de acabar com o arsenal do Hamas e de seus altos comandantes. De um ponto de vista militar, a guerra de Benjamin Netanyahu não conseguiu absolutamente nada, exceto, talvez, dar Hamas um impulso de popularidade.
O perigo para a Rússia do Estado Islâmico é que alguns de seus membros são oriundos da Chechênia e do Daguestão, as duas repúblicas muçulmanas do sul do país, e há um risco de que o grupo possa encontrar simpatizantes e apoiadores lá e até mesmo começar a construir uma rede em todo o Cáucaso. É por isso que Moscou está convidando todas as partes para fazer um esforço conjunto para destruir o Estado Islâmico antes que ele se torne verdadeiramente internacional.
No entanto, como aponta o presidente da Academia de Problemas Geopolíticos Konstantin Sivkov, a opção militar é apenas uma parte da solução na luta contra o Estado Islâmico. Ele diz que os ataques aéreos não seriam suficiente e que é crucial combater também a sua ideologia e cortar suas finanças que agora estão fluindo através de canais bancários perfeitamente legais.
A guerra contra o Estado Islâmico é repleta de perigos. Pode ficar fora de controle e arrastar toda a região para um conflito muito mais amplo
fonte: Diário do Centro do Mundo e Aljazeera