PARTE 2: Beber um pouco de vinho faz bem para a saúde?
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Parece que alguns irmãos estão tão obcecados em simplesmente rebater a qualquer cristão que ouse falar alguma coisa “contra beber vinho”, que até mesmo fatos históricos serão desprezados se estes fatos provarem alguma coisa contrária àquilo que tais irmãos gostariam de acreditar.
É preciso entender que a palavra grega “oinos”, que em nossas Bíblias foi traduzida como vinho, era uma palavra muito comumente usada, inclusive no meio secular, para se referir tanto a uma bebida tipo alcoólica quanto a uma bebida não alcoólica. Uma destas bebidas se tratava do suco da uva embriagante ou intoxicante e a outra não. Além disso relatei que o povo da época também tinha seus meios para conservar o suco de uva natural sem que fermentasse. Na verdade encontramos textos nos Evangelhos onde Jesus fala especificamente sobre isso, mas tratarei deste assunto num próximo texto. De fato, segundo alguns historiadores era mais difícil conservar o vinho fermentado sem que ficasse totalmente inútil para o consumo, do que conservar o suco da uva sem que fermentasse. No primeiro texto que escrevi a este respeito citei Plínio, Plutarco e Aristóteles. Desta vez, mesmo não querendo me estender muito neste particular, gostaria de citar pelo menos dois outros: Homero e Columela.
Columela, fora um escritor romano, reconhecido pelos seus tratados sobre agronomia; nascera em 4 d.C. e morrera entre os anos 60 e 70 d.C. Este agronomista, contemporâneo dos apóstolos, escreveu que era comum na Itália e na Grécia ferverem o vinho. Obviamente isto não seria necessário se eles queriam preservar o conteúdo alcoólico. Homero, que viveu entre 928 a.C. a 898 a.C., escreveu no nono livro da obra “A Odisséia” sobre Ulisses, que “levou consigo em sua visita ao Ciclope uma garrafa feita de pele de animal contendo um vinho negro e doce, que precisava ser diluído com vinte partes de água antes de ser consumido como bebida”.
O Arcebispo Potter, nascido em 1674, escreveu em sua obra intitulada “Antiguidades Gregas” que o povo fervia seus vinhos e depois os beberia por até quatros anos depois. Ele também se refere a Demócrito, um filósofo celebrado, e a Paládio, um médico grego, dizendo que os dois tinham feito declarações semelhantes a respeito do vinho em suas épocas. Estes textos antigos, que servem como autoridade a respeito do assunto, se referem ao suco de uva fervido usando a palavra “vinho”, mesmo que depois da fervura isso impossibilitasse o desenvolvimento de características intoxicantes.
É importante lembrar que fatos históricos podem ser conhecidos e até interpretados, mas de forma alguma conseguiremos anulá-los. Existem muitos textos produzidos por historiadores e cronistas não cristãos que tratam especificamente sobre o vinho e isso também deve ser considerado como fonte de informação em nossa pesquisa. O fato de serem textos sem cunho religioso valoriza ainda mais a importância do seu testemunho, pois fica claro que tais escritores estão abordando pontos comuns e conhecidos da sociedade da época. Nestes textos não há uma tentativa de doutrinação ou demonização de coisa alguma, e sim o simples interesse em compartilhar, pelo texto escrito, um conhecimento possuído e uma experiência vivida em uma determinada geração.
Alguns historiadores deixaram registrados fatos a respeito do vinho que fogem à nossa compreensão moderna e não devemos tentar interpretá-los à luz da nossa realidade, mas ter a humildade e a disposição necessárias para entender que tais registros tratam sobre uma realidade diferente da nossa. Anacronismo é o termo usado para indicar a ocorrência do erro que consiste em utilizar os conceitos e ideias de uma época para analisar fatos de outro tempo.
Um exemplo clássico de anacronismo acontece quando alguns citam os textos de Paulo onde ele faz considerações negativas a respeito de pessoas que sejam dadas a “muito vinho” (1 Timóteo 3.8 ou Tito 2.3). Por falta de conhecimento específico da realidade da época de Paulo, as pessoas pegam tais textos e os transpõem diretamente para suas próprias épocas e os interpretam como se as coisas de lá para cá fossem exatamente iguais e não houvesse diferença alguma em relação ao que era chamado de vinho naquele tempo e ao vinho que alguns cristãos insistem em beber no ano de 2016.
Em outras palavras, falando de forma prática, comentemos o erro de anacronismo quando pensamos que Paulo estaria dizendo que até podemos beber uma quantidade do vinho que possuímos hoje em dia, desde que saibamos que imediatamente antes de nos “embriagarmos” deveremos parar.
Para a mentalidade do indivíduo moderno é difícil entender que naquela época eles não tinham a enorme diversidade de bebidas disponíveis como temos hoje em dia. O vinho (alcoólico ou não) estava entre as bebidas mais populares, e em algumas ocasiões, por questões sanitárias, era até usado como uma forma de se proteger de algumas doenças causadas por águas não muito bem tratadas. Com este objetivo alguns o misturavam com a água para evitar qualquer possibilidade de contaminação. Esta era a realidade social e cultural da época.
Naquele tempo a distinção entre o vinho alcoólico e o não alcoólico não era muito óbvia, e isto se torna evidente inclusive pelo fato de uma mesma palavra ser usada para os dois tipos de bebidas; por causa disso alguns cristãos preferiam simplesmente evitar de beber qualquer vinho disponível para evitar uma má interpretação quanto à sua conduta, e este talvez tenha sido o caso de Timóteo. Pelo que os textos das Escrituras sugerem, tudo indica que Timóteo era um cristão abstencionista em relação ao vinho. Talvez para tentar eliminar de vez qualquer possibilidade de suspeita em relação ao que ele bebia, nem mesmo o vinho não alcoólico era bebido por ele. Paulo precisou pedir que ele abrisse uma concessão dizendo-lhe que não continuasse bebendo apenas água, mas que passasse a usar também um pouco de vinho, por causa dos problemas estomacais que ele estava enfrentando. Observe que Paulo disse que Timóteo deveria usar UM POUCO de vinho e que era especificamente POR QUESTÕES MEDICINAIS. E o contexto não fala explicitamente que Paulo se referia ao vinho alcoólico, pois ele poderia estar apenas pedindo a Timóteo que abrisse uma exceção em relação ao seu estilo de vida abstencionista para usar um pouco de suco de uva de forma medicinal. Como a palavra grega traduzida por vinho não deixa claro de que vinho se está falando, se fermentado ou não fermentado, não podemos concluir com 100% de certeza de qual vinho Paulo falava, mas uma coisa é certa: até o momento desta recomendação de Paulo a Timóteo, ele bebia APENAS ÁGUA.
1 TIMÓTEO 5.23
NÃO CONTINUES a beber SOMENTE ÁGUA; usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades
Se beber vinho alcoólico fosse uma coisa comum entre os cristãos e se até então Timóteo não se abstivesse de beber vinho, Paulo não precisaria ter tocado nesse assunto da forma que fez. Paulo não precisaria ter sugerido que Timóteo parasse de ficar bebendo só água e nem precisaria ter se preocupado em explicar o porque que ele estava sugerindo que ele agora passasse a beber um pouco de vinho. Se beber vinho fosse algo assim tão comum e banal, como sugerem alguns, Paulo não precisaria dessa burocracia toda. Outra coisa que é interessante de se observar é que Paulo sabia que Timóteo só bebia água, e não há qualquer indício de que Paulo o reprovasse por qualquer suposta “falta de maturidade por não beber vinho alcoólico”; muito pelo contrário, quando Paulo se preocupa com sua saúde e vai lhe recomendar a usar um pouco de vinho, se sente na obrigação de se explicar que está fazendo tal sugestão apenas por causa das enfermidades estomacais que ele estava enfrentando.
Alguns cristãos, talvez motivados por passagens como esta, relacionada a situação de Timóteo, poderiam dizer: “É exatamente por isso que não deixo de tomar meu vinhozinho, porque um médico me disse que faz bem para o coração…” e, até certo ponto, isso não deixa de ser verdade. O único problema, porém, é que as pessoas não foram pesquisar um pouco mais para descobrir que o vinho faz “bem para o coração” não por causa do álcool, mas por causa das propriedades do suco da uva! O vinho não faz bem POR CAUSA do álcool, mas A DESPEITO do álcool.
“Em 1910 os médicos americanos listavam o álcool entre as nove drogas conhecidas mais úteis. Hoje, o álcool sequer seria incluído nessa lista” diz o Doutor H. W. Haggard, diretor do laboratório de psicologia aplicada em Yale; embora o álcool ainda seja considerado uma substância química valiosa em seu devido contexto. A ciência médica define o álcool como “integrante do grupo de drogas classificadas como narcóticos, cuja ação predominante é a depressão da função de todos os tecidos vivos” (Haven Emerson, Columbia University). Andrew Ivy, vice-presidente da Universidade de Ilinois nos Estados Unidos, disse que “o álcool, do ponto de vista farmacológico, é um analgésico e um narcótico, uma droga viciante formadora de hábitos e que desenvolve ânsia e compulsão”.
Uma pesquisa recente indica que para se obter algum benefício do álcool para o coração, uma pessoa teria que ingerir uma quantidade considerável de álcool, o que ocasionaria mais problemas de saúde em diversos lugares do organismo. O doutor Rod Jackson, professor de epidemiologia na Universidade de Auckland diz o seguinte em relação a ingestão de álcool: “de forma geral, não há benefícios à saúde, e acho que provavelmente não exista qualquer estágio do processo onde os benefícios ultrapassem os malefícios”.
O VINHO E O SUCO DE UVA
Há muito se fala dos benefícios do vinho tinto para o coração. “Uma taça diária”, dizem as pesquisas, “pode fazer a diferença no histórico cardíaco de uma pessoa”. No entanto, o suco de uva é mais nutritivo, traz mais benefícios a saúde que a bebida fermentada e contém os mesmos antioxidantes do vinho em maior concentração, além de outras substâncias igualmente benéficas. Pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, apontam que a uva cultivada no Brasil é uma das mais saudáveis do planeta, com mais nutrientes que as rivais de países como Chile, Argentina, Portugal e Estados Unidos.
A pesquisa mostra que além dos benefícios ao coração, o consumo diário do suco de uva ajuda no combate ao colesterol, ao envelhecimento das células e até ao câncer. O suco produzido na vinícola é 100% natural, sem adição de água, açúcar, corantes e conservantes, mantendo todas as características e substâncias encontradas na fruta em sua forma natural, mesmo depois de engarrafado. As uvas de casca escura ou rosada contem 20 antioxidantes conhecidos.
Para completar a lista dos benefícios, o suco de uva integral natural ainda auxilia no emagrecimento. É o resultado de uma pesquisa realizada na Universidade Paranaense – Unipar. Durante 50 dias, animais foram alimentados regularmente e metade deles recebeu suco de uva integral. Os resultados apontaram que os animais que consumiram o suco tiveram medidas reduzidas, mesmo consumindo a mesma quantidade de comida que os outros.
Escritores do passado como Aristóteles, Ateneu de Náucratis e Plínio indicam que o vinho não fermentado (ou o simples suco de uva como o chamamos hoje em dia) era conhecido, e preferido, em relação ao vinho alcoólico, para propósitos medicinais, pois não ocasionava efeitos colaterais como o segundo. À luz de tais testemunhos, bem como pelos ensinos bíblicos a respeito do vinho, é razoável presumir que o vinho recomendado por Paulo para propósitos medicinais tenha sido o suco de uva não fermentado.
Hoje o suco de uva é amplamente aclamado pela sua capacidade de transferir benefícios à saúde. As uvas são ricas em glicose, uma das poucas substâncias na natureza capazes de serem transferidas ao sangue sem a necessidade de digestão. Isto também é verdadeiro em relação ao álcool, que na verdade é um “filho bastardo do açúcar”. A diferença é que a glicose é um verdadeiro alimento que proporciona calorias, proteínas e vitaminas e não produz qualquer efeito deletério ao corpo humano, enquanto o álcool oferece calorias mas não proporciona proteínas, minerais ou vitaminas e pode causar sérios danos aos importantes tecidos do cérebro, fígado e outros órgãos do corpo. O fruto da vide, é sim, uma grande bênção de Deus aos homens! O mesmo não se pode dizer do vinho alcoólico, que por sua vez é produzido pelo processo de putrefação da uva pisada.
Se eu tivesse fortes tendências para ser um alegorista, diria que Deus deu a uva de presente ao homem com inúmeros benefícios para a sua saúde, mas este, como sempre, em desprezo aos presentes divinos, a pisa para transformá-la numa bebida que faz exatamente o oposto do que Deus queria para ele: destrói a saúde que Deus lhe ofertou e ainda rouba a sua paz.
PESSOAS DADAS A MUITO VINHO
Voltando ao texto onde Paulo falava negativamente sobre pessoas que eram dadas a muito vinho, precisamos entender que o vinho alcoólico da sua época não era o mesmo vinho alcoólico que conhecemos hoje em dia. Embora o vinho fosse realmente capaz de embriagar, e fosse usado exatamente para este propósito em alguns contextos sociais, os que o bebiam com este objetivo precisavam beber muito mais do que beberiam hoje em dia com os vinhos que conhecemos atualmente.
O teor alcoólico dos vinhos de hoje estão em uma categoria muito superior ao dos vinhos usados popularmente nas épocas bíblicas. Quando falo “superior” não me refiro a algum tipo de superioridade no sabor ou na qualidade, mas simplesmente à maior capacidade de embriagar com uma quantidade consideravelmente menor.
Exatamente por esta razão foi que Paulo falou negativamente de pessoas que fossem dadas a “muito vinho”. Sem cometer o erro do anacronismo mencionado anteriormente, devemos entender que naquele tempo era possível beber uma certa quantidade do vinho alcoólico da época e não chegar nem perto de se embriagar; mas, se o objetivo era mesmo ficar bêbado, então seria preciso beber MUITO vinho. Falar que alguém era “dado a muito vinho” naquela época seria o mesmo que dizer hoje em dia que alguém “gosta de beber” (com o objetivo de se embriagar, claro!). Cometeríamos um erro se extraíssemos a frase de Paulo do seu contexto social e cultural, a transportássemos diretamente para a nossa época e simplesmente disséssemos: “Paulo disse que não podemos beber muito; mas se for para beber pouco, pode!”.
Antes de comentar mais especificamente sobre o texto de Paulo, gostaria de falar um pouco mais sobre a diferença entre o vinho alcoólico daquela época e o vinho que conhecemos hoje em dia. Há vinhos hoje que já passam de 14,5% de teor alcoólico. Alguns vinhos, inclusive, são fortalecidos pela adição de bebidas destiladas, como o conhaque.
Vinhos naturais e bebidas fermentadas eram as únicas bebidas alcoólicas até poucos séculos atrás. Parece que na antiguidade, por volta de 800 a.C., eles tinham uma maneira rudimentar de destilar o álcool do arroz, do milho-miúdo e do leito de égua. Contudo, o processo de destilação próximo ao que conhecemos hoje foi primeiramente desenvolvido e aplicado na Itália por volta do ano 1000 d.C. seguido pela Espanha dois séculos depois e pela França no século seguinte. A destilação foi primeiramente usada no vinho para produzir o conhaque, depois na cerveja para produzir o Uísque. Posteriormente o conhaque passou a ser adicionado ao vinho para deixá-lo ainda mais forte, aumentando assim consideravelmente o seu teor alcoólico.
Por muitas décadas os vinhos raramente chegavam a 13% de álcool. Hoje, com o clima mundial aquecido e técnicas de viticultura que permitem colher uvas mais maduras e depois extrair e concentrar mais corpo e álcool, é comum vinhos com 14,5%. Este aumento está ocorrendo na maioria dos vinhos mundo afora. Os vinhos mais fortes são aqueles que recebem adição de alguma aguardente e os vinhos feitos de uvas secas como passas. Estes vinhos, devido ao seu peculiar processo de elaboração, atingem altos teores de álcool.
Mesmo levando em conta que o teor alcoólico dos vinhos nos tempos bíblicos não era o mesmo que hoje em dia, ainda assim até mesmo escritores seculares, proeminentes pensadores da cultura grega antiga, diziam que apenas bárbaros ousariam beber vinho sem antes misturá-lo. Minesitheos, um médico ateniense do quarto século antes de Cristo, chegou a dizer que “os deuses revelaram o vinho aos mortais para ser uma grande benção para aqueles que o usam da forma correta, mas para aqueles que o usam sem medida, será o oposto. Pois o vinho nutre aqueles que o bebem e traz força para a mente e para o corpo. Na medicina é muito benéfico; pode ser misturado com líquidos e drogas e trará ajuda ao ferido. No uso diário, para AQUELES QUE O MISTURAM e bebem moderadamente, trará bem estar; mas se você ultrapassar os limites, ele trará violência. MISTURE-O meio-a-meio e você trará sobre si a loucura; beba-o SEM MISTURA, e você experimentará o colapso físico”.
Dizem os pesquisadores que nos tempos bíblicos o vinho misturado (na proporção de 3 para 1) era o mais frequentemente bebido, e que seu teor alcoólico ficava entre 2,25% a 2,75%. Levando em consideração os critérios de hoje em dia, uma bebida precisa exceder a 3,2% de álcool para que seja considerada como alcoólica. Isto quer dizer que mesmo o vinho chamado alcoólico nos tempos bíblicos seria completamente “não-alcoólico” ou “sub-alcoólico” nos padrões de hoje. Para ficar bêbado com vinho naquela época a pessoa teria que beber uma grande quantidade de vinho e gastar um tempo considerável até que alcançasse o seu objetivo. Com um teor alcoólico tão baixo, para conseguir ficar bêbada a pessoa tinha que se esforçar para isso. Ela precisaria se dar a uma grande quantidade de vinho.
1 TIMÓTEO 3.8,9
Semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam respeitáveis, de uma só palavra, não inclinados a MUITO VINHO, não cobiçosos de sórdida ganância. Conservando o mistério da fé com a consciência limpa.
Quanto ao texto acima, veja que o objetivo de Paulo não era falar sobre beber ou não beber vinho alcoólico. A questão da bebedeira é mencionada, mas não é a razão pela qual Paulo está dando instruções a Timóteo. Veja que Paulo diz “QUANTO A DIÁCONOS” e não “quanto às questões de bebidas alcoólicas”. Paulo não estava dizendo que um diácono não poderia beber muito vinho, e sim que quem bebia muito vinha não poderia ser diácono. Isto significa que a função primária da frase “não ser dado a muito vinho” não era para estabelecer um princípio geral em relação ao suposto uso moderado do vinho, antes era para excluir da escolha para o diaconato qualquer candidato que “gostasse de beber”.
Ele não estava dizendo que um diácono poderia “beber um pouquinho”, o que ele realmente queria dizer é que quem fosse beberrão não poderia ser diácono! Não era uma questão de “poder ou não beber”, mas de “poder ou não ser diácono”.
Um pouco antes Paulo havia dito que os bispos deveriam ser “temperantes” e “sóbrios”, o que deixa implícito que não deveriam beber (1 Tm 3.2,3). Versículos depois ele diz que os diáconos deverão ser escolhidos por um padrão SEMELHANTE: “semelhantemente, quanto aos diáconos…” (1 Tm 3.39). Como Paulo poderia estar dizendo que os bispos não deveriam beber de forma alguma e depois dizer que os diáconos poderiam beber um pouquinho, se os dois deveriam ser escolhidos por padrões semelhantes? Talvez o problema esteja em nossa interpretação do texto.
Alguns advogam que Paulo estava defendendo a ingestão moderada de bebidas alcoólicas. No entanto, esta interpretação parece ser conflituosa com inúmeros princípios das Escrituras. Se a bebida alcoólica tem como função primeira o anuviamento da mente, qual seria o valor em fazer uso dela como cristão? Qual o valor da moderação para com aquilo que é errado? Ter moderação em relação à imoralidade fará da prática imoral “moderada” um comportamento aceitável?
As admoestações do Novo Testamento quanto à sobriedade ensinam que o cristão deve ter moderação em relação às coisas que são boas e aceitáveis, mas total abstinência em relação àquilo que é ruim e nocivo. Se o vinho, principalmente com o teor alcoólico que possui hoje em dia, é naturalmente ruim, bebê-lo “com moderação” não transformará este comportamento em algo positivo.
Algumas pessoas comparam a glutonaria com a bebedeira dizendo que assim como comer pouco é bom, mas comer muito é ruim; da mesma forma, dizem, beber um pouco de bebida alcoólica é bom, mas se for beber muito será ruim. No entanto, essa comparação é injusta e inapropriada. Se vamos comparar a glutonaria com alguma coisa, comparemos com algo que lhe seja compatível. O mais correto seria dizer que até mesmo beber sucos não embriagantes de forma descontrolada seria tão ruim quanto comer sem moderação.
Embora glutonaria e embriaguez sejam consideradas como “obras da carne”, isso não quer dizer que “se eu comer pouco” está tudo bem, assim como se “eu beber apenas um pouco de bebida alcoólica” também não terá problema. Não é porque as duas coisas estão na mesma lista das obras da carne deixadas por Paulo em Gálatas 5 que podemos chegar a essa conclusão sem sentido. Isto seria a mesma coisa de raciocinar assim: “se eu comer apenas o necessário não é glutonaria; da mesma forma, se eu praticar só um pouquinho de prostituição, também não fará mal”.
Quando a Bíblia fala negativamente sobre o excesso do pecado, isso não significa que o pecado praticado com moderação será aceitável. Quando em 1 Pedro 4.4 o texto fala sobre o “excesso de devassidão”, não significa que “apenas um pouco de devassidão” não tem problema nenhum. Só porque textos bíblicos condenam certos comportamentos excessivos não significa automaticamente que o mesmo comportamento em menor escala será aceitável. Infelizmente tem sido assim que alguns tem interpretado o texto de Paulo quando ele fala negativamente de pessoas “dadas a muito vinho”. Pensaram que Paulo estava dizendo que se a pessoa bebesse muito vinho seria ruim, mas se for pra beber só pouquinho, então tudo bem.
Seria muito estranho que Paulo tivesse aprovado a abstinência em relação ao vinho da parte de Timóteo, dizendo-lhe que apenas usasse um pouco de vinho com propósitos medicinais, e então ele aprovasse que diáconos bebessem vinho alcoólico “moderadamente” para o simples prazer.
Vejamos algumas das coisas que lemos no texto:
- Uma das palavras que é traduzida por vinho em nossas bíblias se referia tanto à bebida alcoólica quanto ao simples suco de uva;
- Timóteo, por alguma razão, talvez para evitar julgamentos desnecessários quanto à sua liberdade em Cristo, bebia apenas água. Paulo precisou pedir-lhe que não continuasse bebendo somente água, mas que usasse um pouco de vinho por questões estritamente medicinais;
- O vinho alcoólico bebido nos tempos bíblicos era infinitamente menos alcoólico que os vinhos de hoje em dia. Para se embriagar naquela época era necessário beber muito vinho;
- A expressão “dado a muito vinho” usada por Paulo em 1 Timóteo, se traduzida aos nossos tempos, seria equivalente a dizer que a pessoa é “chegada numa bebida”;
- No texto de 1 Timóteo 3 Paulo não estava tratando sobre “beber ou não beber”, e sim sobre as qualificações para “ser ou não ser diácono”;
- Se uma coisa é ruim por si só, fazer pouco uso dela não a transformará numa coisa boa. Beber pouca bebida alcoólica ainda é beber bebida alcoólica.