A Perturbação Tribulacionista em 2Tessalonicenses
A segunda carta de Paulo aos tessalonicenses é muito esclarecedora, por várias razões. Mas, sem dúvida, a preocupação de Paulo com a perturbação doutrinária que estava sendo causada na igreja, merece destaque.
A perseguição aos irmãos era tão grande que essa tribulação circunstancial estava levando alguns a imaginar que a tribulação escatológica já estava acontecendo ou prestes a começar. Por essa razão, Paulo os adverte, relembrando o que já havia lhes ensinado sobre o assunto:
Este “dia”, mencionado por Paulo, não se refere a um dia de 24h, mas é uma expressão que faz alusão a uma intervenção divina e a diversos acontecimentos que se desenrolarão em cadeia por um determinado período de tempo. O “Dia do Senhor”, mencionado por Paulo neste texto, é uma expressão que parece ter se tornado aquilo que chamamos de “termo técnico”. Ela começa a ser usada no Antigo Testamento e evolui progressivamente até o Novo Testamento, ganhando, inclusive, outras expressões sinônimas que parecem ser variações da expressão original, tais como “Aquele Dia”, “O Dia de Deus”, “O Dia de Cristo”, “o Dia do Senhor Jesus” e etc. Durante esta futura intervenção de Deus no curso normal das coisas, alguns homens experimentarão favor, bênção e proteção, enquanto outros serão punidos e castigados pela sua rebeldia. O “Dia do Senhor” engloba acontecimentos com aspectos positivos e negativos e só o contexto, onde a expressão aparece, pode nos esclarecer do sentido pretendido pelo autor. Se juntarmos alguns dos textos que usam tais expressões nas Escrituras Sagradas, chegamos à conclusão de que o “Dia do Senhor Jesus” parece ser um período de tempo que se estende desde o arrebatamento até à criação dos novos céus e da nova terra.
Nesta passagem em particular, Paulo está dizendo que “supor que o Dia do Senhor já estava começando, causava perturbação aos irmãos”. A expressão não está sendo usada como sinônimo de “arrebatamento” ou de “manifestação final de Cristo”, afinal, dizer que “o arrebatamento estava para acontecer a qualquer momento” não causaria perturbação à ninguém. Da mesma forma, afirmar que “Cristo estava para descer à terra de forma definitiva, no final da Tribulação” também não causaria perturbação, pois isto significaria que o pior já teria passado. O texto só faz sentido se a expressão estiver sendo usada como sinônimo para a “Tribulação Escatológica” prevista nas Escrituras.
Há teólogos que pensam que Paulo estava dizendo que alguns irmãos estavam perturbados porque alguns achavam que “o arrebatamento já tinha acontecido”. Porém, seria impossível que o arrebatamento acontecesse e ninguém notasse o desaparecimento de milhões de pessoas de uma vez só. Os crentes não poderiam estar pensando que “o arrebatamento já teria acontecido” uma vez que absolutamente todos os membros da igreja, que eles conheciam, continuavam lá! O arrebatamento da Igreja não será um evento secreto e imperceptível, muito menos para os próprios crentes.
A perturbação mencionada no texto de Paulo não está associada a alguma coisa que já poderia ter acontecido, mas a alguma coisa que estava presente ou começando a acontecer. O erro doutrinário refutado por Paulo não era um possível arrebatamento secreto que supostamente houvesse acontecido de forma misteriosa, mesmo sem ninguém ter sido retirado da terra, e sim a ideia de uma futura Tribulação que estava começando a acontecer naquele exato momento. Paulo disse: “não vos perturbeis supondo que TENHA CHEGADO o Dia do Senhor” (2Ts 2.2). A expressão “tenha chegado”, é traduzida da palavra grega (ἐνέστηκεν), que comumente é associada àquilo que está presente ou que está em iminência de acontecer. Em segunda Tessalonicenses 3.1 ela é traduzida como “sobrevirão”; nas demais passagens do Novo Testamento, onde ela aparece, sempre é associada a ideia de algo presente:
● “Coisas do presente” em Romanos 8.38;
● “Coisas do presente” em 1Coríntios 3.22;
● “Situação presente” em 1Coríntios 7.26;
● “Coisas do presente” em Romanos 8.38;
● “Presente” em Gálatas 1.4 na versão Almeida Corrigida Fiel;
● “Presente” em Hebreus 9.9;
Paulo não estava corrigindo o erro de um suposto arrebatamento que houvera “passado”, mas o erro de uma equivocada Tribulação que havia “começado”.
Em termos práticos, a razão da perturbação entre os irmãos era porque Paulo tinha ensinado que a Igreja seria arrebatada antes da Tribulação, e, agora, na cabeça de alguns, a Tribulação estaria supostamente começando e “ninguém tinha sido arrebatado” como prometido por Paulo em sua primeira carta aos tessalonicenses.
Textos no Antigo Testamento explicitam muito bem o tipo de sentimento que deve ter tomado os corações dos irmãos de Tessalônica quando alguém começou a pregar que o “Dia do Senhor” estava começando. Joel já dizia “Perturbem-se, moradores da terra, porque o Dia do Senhor vem” (Joel 2.1). Amós tinha dito: “Ai dos que desejam o Dia do Senhor. É dia de trevas e não de luz (Amós 5.18). Muitos outros textos usam ideias semelhantes com o objetivo de mostrar os aspectos punitivos do Dia do Senhor. Isaías disse: “Uivai, pois está perto o Dia do Senhor; vem do Todo-Poderoso como assolação. Eis que vem o Dia do Senhor, dia cruel, com ira e ardente furor, para converter a terra em assolação e dela destruir os pecadores” (Isaías 13.6-13).
Paulo estava corrigindo o ensinamento que associava as aflições da época com a Tribulação Escatológica prevista pelas Escrituras. Fica claro que o objetivo de Paulo é rechaçar a perturbação e o engano que estava fazendo que os irmãos esquecessem do que ele já havia ensinado.
Suas palavras dizem exatamente isso:
● Não vos demovais facilmente do vosso entendimento (2Ts 2.2);
● Não vos perturbeis (2Ts 2.2);
● Ninguém vos engane (2Ts 2.3).
Paulo estava preocupado com o desvio doutrinário, a perturbação e o engano a que os irmãos de Tessalônica estavam sendo submetidos. O engraçado é que, hoje em dia, alguns acham que Paulo estava dizendo ali que “o arrebatamento não aconteceria sem que primeiro o Anticristo se manifestasse e que a Tribulação tivesse seu início”. Nada poderia estar mais longe da verdade! Pense um pouco: Como Paulo poderia querer que os irmãos ficassem firmes na doutrina que ele tinha ensinado, evitando assim qualquer perturbação, se ele mesmo estivesse dizendo que o Anticristo teria que se manifestar primeiro e a Tribulação ter o seu início? Deixe-me esclarecer isso um pouco mais. Leia a paráfrase abaixo e observe a incongruência de raciocínio deste tipo de pensamento. Imagine Paulo dizendo o seguinte:
Como Paulo poderia querer consolar os irmãos, para que não ficassem perturbados, afirmando que antes viria uma espécie de “grande apostasia” seguida do surgimento do Anticristo? Afinal, ele queria eliminar a perturbação ou queria dar motivos para que eles tivessem certeza que era pior do que eles estavam pensando? Paulo jamais combateria a perturbação que os irmãos estavam experimentando trazendo afirmações que gerariam mais desespero. É simples e lógico.
É exatamente por isso que ele começa o capítulo dois, da segunda carta, mencionando a perturbação causada pela doutrina tribulacionista, mas encerra o assunto trazendo à memória dos irmãos a boa esperança que ele lhes havia transmitido pela Palavra de Deus. Observe:
Ora, ora ora. Agora tudo faz sentido! Paulo está lembrando aos irmãos de Tessalônica que ele já havia ensinado sobre a forma correta de entender os acontecimentos dos últimos dias. Todo engano e perturbação, mencionados por Paulo nos versículos dois e três, eram consequências do fato de eles não reterem corretamente em sua mente a tradição cristão pré-tribulacionista ensinada por ele. Não sabemos o que ele pode ter ensinado pessoalmente quando esteve com os irmãos em Tessalônica, mas os textos da sua primeira carta, são relativamente explícitos sobre o assunto. Obviamente que, quando esteve pessoalmente com eles, Paulo não deve ter ensinado o contrário do que afirmou na primeira carta. O interessante é que segundo o seu fechamento do capítulo dois da segunda epístola, “estes ensinamentos passados” protegeriam os irmãos do engano, da perturbação e os consolariam, pois a palavra que ele tinha oferecido era boa e produzia uma boa esperança!
Em alguns lugares, da primeira carta, vemos que Paulo havia dito: “Vocês se converteram a Deus para servi-lo e para esperar Jesus voltar, pois ele nos livra da ira vindoura” (1Tessalonicenses 1.9,10). Ele disse também que “os que ficarmos até à vinda do Senhor, seremos arrebatados para o encontro do Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor”, e depois, acrescentou: “Consolai-vos uns aos outros com estas palavras” (1Tessalonicenses 4.15-18). Em seguida, ele afirmou que a Tribulação virá sobre os que continuarem na terra, pois, “o Dia do Senhor virá como um ladrão que ataca na noite aos que estão em trevas”, e disse também que “quando as pessoas do mundo acharem que, finalmente, têm paz e segurança, eis que lhes sobrevirá repentina destruição, como vêm as dores de parto à que está para dar à luz; e de nenhum modo eles escaparão” (1Tessalonicenses 5.1-3). Além disso, no mesmo contexto, Paulo também afirma que “os irmãos não estão em trevas para serem surpreendidos pela Tribulação como a visita de um ladrão no período da noite” (1Tessalonicenses 5.4). Até porque, Deus não nos destinou para a ira, mas fomos destinados para a salvação, a redenção do nosso corpo (1Tessalonicenses 5.9). E, assim como ele já havia dito, ao falar sobre o arrebatamento no capítulo anterior, ele repete mais uma vez: “consolai-vos, pois, uns aos outros” (1Tessalonicenses 5.11). Observe que as palavras de Paulo aos irmãos de Tessalônica eram de paz, consolo e esperança. Exatamente por isso ele pede aos irmãos que “não se abalassem com os ensinos tribulacionistas da ocasião e que ficassem firmes e guardassem as tradições que já haviam sido ensinadas”.
OUTRAS DIFICULDADES
Embora o presente texto seja claro e direto, sei que alguns irmãos ainda têm grandes dificuldades com a segunda epístola de Paulo aos tessalonicenses. Algumas destas dificuldades estão relacionadas à sua compreensão da palavra “apostasia”, que aparece em 2Ts 2.3, à ordem da frase “quanto à vinda do Senhor e a nossa reunião com ele” em 2Ts 2.1 e à disposição das palavras na maioria das versões em português do texto do capítulo 1 da mesma epístola. Textos bem mais elaborados e detalhados sobre estas questões podem ser encontrados no livro “Arrebatamento Antes da Tribulação”, porém, de forma bastante resumida, e até certo ponto, irresponsável, quero afirmar o seguinte:
A confusão associada ao capítulo um da segunda epístola de Paulo aos tessalonicenses, se deve, principalmente, a dois ou três fatores. Primeiro, por uma falta de compreensão do que Paulo chama de “alívio” em 2Ts 1.7. Segundo, pela ideia que alguns têm associada à palavra “quando” que aparece em 2Ts 1.10, pois interpretam que Paulo estaria falando de dois acontecimentos concomitantes: “o alívio dos justos” e “o castigo dos ímpios”. Em terceiro lugar, toda esta confusão surge a partir da organização dos sinais de acentuação gráfica que colocaram em nossas Bíblias. Mesmo que um cristão fosse morto por um perseguidor e este crente estivesse “aliviado” das suas dores terrenas, não é sobre esse tipo e “alívio” que Paulo parece estar falando. Paulo não tem em mente afirmar que os crentes serão aliviados “quando forem arrebatados”, ou mesmo quando morrerem. O contexto está falando sobre a futura e merecida punição dos ímpios e perversos, a futura vindicação derradeira. Mesmo depois de mortos, os mártires do período tribulacional ainda tinham uma reivindicação a Deus sobre os perversos da terra: “As almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam, clamavam em grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (Apocalipse 6.9-10). É o mesmo tipo de alívio que sente a família de um parente assassinado injustamente, quando, muitos anos depois, o criminoso é finalmente punido. Trata-se do sentimento de “justiça feita”. Como, por exemplo, quando um soldado, cujo país se encontra em guerra, é ferido e volta ao lar para se tratar, ele não terá “alívio”, enquanto não houver um resultado positivo alcançado por seu país contra os agressores com quem luta. Além disso, embora seja possível o uso da palavra “quando” no texto, ela não aparece de forma explícita no texto grego. Porém, seu uso parece ter confundido alguns irmãos a respeito do que Paulo está realmente falando. Mesmo preservando a palavra quando no texto, se organizarmos os sinais de pontuação gráfica de uma forma diferente, desaparece a ideia de que “o arrebatamento dos crentes” e o castigo dos ímpios aconteceriam no mesmo instante. Observe abaixo.
Quanto a 2Tessalonicenses 2.1, o texto não está ensinando qualquer suposta ordem de acontecimentos futuros, como pensam alguns. Paulo não está dizendo que “Jesus primeiro desce à terra e, somente depois, seremos arrebatados”. Ele está simplesmente introduzindo o novo assunto a respeito do qual ele passará a falar na epístola. A “vinda do Senhor”, muitas vezes uma espécie de expressão sinônima para “o Dia do Senhor”, não será um acontecimento de 24h. Ele não está falando de algo que acontecerá em “um dia”. Assim como na primeira vinda de Cristo à terra muitas coisas aconteceram ao longo de certo período de tempo, da mesma forma, muitas coisas se desenrolarão em cadeia durante aquele tempo conhecido como “a vinda de Cristo” ou a “vinda do dia de Deus” (2Pedro 3.12). A frase de 2Tessalonicenses 2.1 é apenas a indicação do assunto sobre o qual ele pretende passar a falar. Em outras palavras, ele não irá falar necessariamente sobre “a vinda do Senhor e a Tribulação”, “a vinda do Senhor e a ressurreição dos mortos”, mas sobre “a vinda do Senhor e a nossa reunião com ele”, possivelmente uma referência ao arrebatamento.
Quanto à palavra “apostasia”, que simplesmente não foi traduzida em nossas Bíblias, se traduzida para o português, significa “retirada”, “partida” e outras coisas semelhantes. A palavra também era utilizada para se referir a situações em que pessoas “abandonavam a fé”. Embora o uso majoritário da palavra no Novo Testamento seja associada ao afastamento físico e espacial, ela também aparece com a ideia de afastamento espiritual. Somente por meio do contexto é possível determinar de que tipo de afastamento ou retirada a palavra está fazendo menção. Em 2Tessalonicenses 2.3, tudo indica que Paulo está se referindo a um afastamento físico, à retirada do Espírito Santo juntamente com seu Corpo, a Igreja. Em outras palavras, Paulo parece estar falando que “o Dia do Senhor, a Tribulação, não acontecerá sem que primeiro venha esta retirada, a partida, e então, se manifeste o Anticristo”.