Série Pecado e Confissão | 6
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Alguns irmãos já não sabem mais o que fazer para que a Bíblia diga o que eles querem. Agora estão inventando de dizer que as epístolas não foram escritas para cristãos (independente de serem judeus ou gentios).
O que alguns irmãos estão fazendo é o seguinte: quando alguma declaração da carta parece incompatível com a doutrina preferida, estabelecem entre si que aquela se trata de uma epístola que não é para crentes. Ou, pior ainda, como estão querendo fazer com a epístola de 1 João: se a epístola tem coisas que podem ser úteis e outras que ferem a doutrina preferida, argumentam que o autor a escreveu para vários destinatários. Como se os papiros fossem enviados com páginas marcadas com a seguinte observação: “se você não é gnóstico, por favor, destaque a folha na linha pontilhada e a entregue ao pecador mais próximo da sua casa”.
Irmãos, quanta bobagem. Seria hilário, se isso não afetasse a vida de tanta gente que está sedenta por Deus procurando respostas nas páginas das Sagradas Escrituras. Colecionar versículos preferidos pode se tornar uma coisa ruim quando isso significa que irei desprezar os outros.
Não podemos interpretar a Bíblia à luz das nossas convicções, mas devemos construir nossas convicções à luz da Bíblia. As Escrituras se interpretam a elas mesmas, em seu próprio contexto.
São muitas as razões porque alguns optam por não acreditar em partes da Bíblia. Reconhecer que existem coisas difíceis de entender seria compreensível, e até nobre da parte de algum cristão (2 Pedro 3.16), mas chegar ao ponto de declarar publicamente que 1 João 1 não é para ele pelo simples fato de exigir sinceridade e honestidade diante de Deus em momentos da vida que isso é requerido, é, no mínimo, covardia da sua parte. Fugir da necessidade de reconhecer pecados cometidos é irresponsabilidade e falta de temor.
Não sei de onde surgiu este evangelho “da graça” que não reconhece o fato de que um cristão pode cometer algum pecado em sua vida, e pior ainda, que prega que embora ele tenha pecado, não existe a necessidade de reconhecê-lo como tal. Como diria um amigo meu “é como se acreditassem que existe um buraco de luz sobre a cabeça do cristão que chupasse automaticamente todo erro ou pecado cometido sem que o mesmo precisasse sequer pensar em sentir-se mal com aquilo”. É como se induzissem os irmãos a rolar no chão e fingirem de mortos.
O capítulo 1 de primeira João é para pecadores? Será mesmo? Vejamos:
1 JOÃO 1.1,3,5,61
O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida,
3 o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.
5 Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma.
6 Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade.
No versículo 5 João diz que o resumo da mensagem que ouviu de Jesus Cristo é que Deus é luz e não há nele treva nenhuma. A partir desta declaração ele vai desenvolver boa parte dos seus argumentos até certo ponto ao longo da epístola. Mas, por não perceberem isso, alguns se perdem até mesmo no contexto imediato.
Entenda o pensamento: “Deus é luz e não há nele treva nenhuma, portanto, se DISSERMOS que mantemos comunhão com ele, MAS ESTIVERMOS ANDANDO EM TREVAS, estamos MENTINDO e não praticamos a verdade”.
Observe que o ponto central da declaração inicial feita por João é a verdade ou a mentira. Em outras palavras, se um cristão diz que está em comunhão com Deus que é luz, mas anda nas trevas, pergunto: Ele está mentindo ou falando a verdade? Claro que está mentindo! Por outro lado, se o cristão está vivendo em pecado e reconhece que não está em comunhão com Deus, pergunto: Ele está mentindo ou falando a verdade? Claro que está falando a verdade!
O que João está dizendo é que um cristão não deve dizer que está em comunhão com Deus quando na verdade ele não está. Simples assim.
Contudo, para compreendermos tudo que envolve os ensinamentos de João neste capítulo (e em boa parte desta epístola) precisamos entender a aplicação de alguns dos termos que aparecem aqui.
1 JOÃO 1.7
Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado.
No versículo anterior João falou sobre “andar em trevas” e no versículo acima ele fala sobre “andar na luz”. Mas, diferentemente do que alguns pensam, “andar na luz” não significa viver uma vida cristã sem jamais cometer qualquer pecado, pois o próprio texto mostra que somente os que andam na luz tem a purificação de todo pecado. Ou seja, pelo que tudo indica, quem anda na luz peca e quem anda nas trevas peca também, mas somente quem está na luz terá a purificação de todo pecado.
Se um cristão vive desenfreadamente no pecado e diz que está em comunhão com Deus, ele está mentindo. Por outro lado, se um cristão está em comunhão com Deus e porventura peca, e reconhece que aquilo que ele fez é pecado, ele estará falando a verdade.
Andar nas trevas é estar com a comunhão com Deus quebrada por causa de procedimentos pecaminosos praticados habitualmente. Andar na luz é manter a comunhão com Deus e com os irmãos através de uma vida com consciência pura diante de Deus e dos homens (Atos 24.16). A pessoa que anda nas trevas não passará a estar em comunhão com Deus só porque diz que está. Da mesma forma, a pessoa que anda na luz não perderá a comunhão com Deus mesmo quando reconhece que cometeu algum pecado. É nesta lógica que se baseia toda a argumentação de João neste capítulo.
1 JOÃO 1.8
Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós.
Lembre-se que o versículo 8 vem depois do versículo 7, que veio depois do versículo 6; e que aquilo que está escrito aí, é o desenvolvimento da ideia que ele iniciara anteriormente. Em outras palavras, ele está confirmando seus argumentos novamente. Ele praticamente repete aquilo que já dissera no versículo 6: “Se eu disser que não pequei de forma alguma, mesmo andando em trevas, eu estarei mentindo e a verdade com certeza não está presente em minha vida”.
VEJA AS SEMELHANÇAS DOS VERSÍCULOS 6 E 8:
- 6 Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade.
- 8 Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós.
Dizer que “mantem comunhão com Deus enquanto anda nas trevas” do verso 6 é o mesmo que dizer que “não cometeu pecado algum” do verso 8. Quando João diz que “mentimos” no verso 6 é o mesmo que “a nós mesmos nos enganamos” do verso 8, ou seja, mentimos para nós mesmos (nos enganamos). Quando João diz que “não praticamos a verdade” no verso 6 é o mesmo que “a verdade não está em nós” do verso 8.
Quando analisamos este capítulo dentro do seu contexto, percebemos que João não está fazendo declarações soltas sem qualquer sentindo. Ele está batendo na mesma tecla repetidamente.
1 JOÃO 1.9
Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.
Se realmente mantemos comunhão com Deus não será problema reconhecer um pecado cometido. Como vimos, não vou passar a estar em comunhão com Deus só porque digo que estou, e não vou sair da comunhão só porque reconheço que pequei.
Quando um crente que está em comunhão com Deus peca, a única forma de ele acertar depois disso é reconhecer que errou. Se ele disser “não, eu não cometi pecado nenhum. Isso não é nada demais, está tudo bem”, então ele está se enganando e por alguma razão insiste em não praticar a verdade. Por outro lado, se o crente reconhece o pecado como tal, o texto sagrado diz que Deus é fiel e justo não só para perdoar o pecado, mas também purifica-lo de toda injustiça. Confira com o que João disse no versículo 7.
De certa forma podemos comparar o que vimos até agora com duas pessoas que estão em duas situações diferentes. Uma num quarto iluminado e outra em um quarto completamente escuro. A pessoa que está no quarto escuro tropeça, mas mesmo que se levante, muito provavelmente tropeçará mais uma vez e voltará ao chão, pois nele não há luz. A pessoa do quarto iluminado até pode tropeçar, mas, ainda no chão, pode ver a luz indicando o lugar onde ela tropeçou e assim ter muito mais confiança de que não acontecerá novamente.
1 JOÃO 1.10
Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós.
Por que João diz que faremos Deus de mentiroso se dissermos que não temos cometido pecado? Por causa do que está em pauta na questão! Se alguém peca e diz que não pecou, se alguém peca e diz que não foi nada, se alguém, por exemplo, anda em trevas e diz que está em comunhão com Deus que é luz e não há nele treva nenhuma, um dos dois tem que estar mentindo! Ou você mente e se engana com suas ideias ou você está fazendo Deus de mentiroso.
Não podemos tirar um versículo de todo seu contexto para tentar fazê-lo dizer aquilo que ele não diz. João não fugiu do assunto. Ele ainda está falando sobre a mesma coisa de sempre. Transforme este primeiro capítulo em uma exortação informal desenvolvida em forma de diálogo e você perceberá que é exatamente assim que falamos. Repetimos a mesma coisa duas ou três vezes com palavras levemente diferentes em um curto espaço de tempo.
Os que tiram os versículos 8 e 10 do seu contexto e pensam sobre eles como unidades isoladas e completas em si mesmas, constroem o conceito equivocado de que as Escrituras estão dizendo que “somos pecadores” ou que, mesmo sendo cristãos, “não podemos dizer que não pecamos” .
Em outras palavras, a interpretação comum por parte daqueles que isolam os versículos é que somos obrigados pelas Escrituras a reconhecer que temos que pecar! Se eu não posso dizer “que não peco” (assim mesmo de forma generalizada e indiscriminada, totalmente fora do seu contexto específico), como alguns interpretam os versículos 8 e 10, isto significa que tenho que admitir que vou pecar de qualquer maneira.
Se as Escrituras estivessem realmente me proibindo de “dizer que não peco”, isto significaria que pecar era fator obrigatório, e se a Bíblia estivesse mesmo insinuando que devo pecar, eu poderia escolher o pecado que gostaria de praticar? Meu Deus! Quanto absurdo! Mais uma vez o contexto está aí para nos salvar desse emaranhado de controvérsias:
1 JOÃO 2.1
Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo;
Lembre-se que os textos da Bíblia não foram originalmente escritos em capítulos e versículos. O que chamamos de versículo 1 do capítulo 2, poderia muito bem ter sido o versículo 11 do capítulo 1. João está dizendo: Tudo isso que vos escrevo é para que vocês não pequem!
Você entendeu? João disse que o propósito das coisas que ele estava escrevendo era fazer com que os crentes não cometessem pecado. Isso quer dizer que a interpretação isolada dos versículos 8 e 10 que diz que temos “que nos assumir pecadores” ou que “não podemos dizer que não pecamos” está completamente equivocada.
Como ele escreveria dizendo que sou obrigado a reconhecer que vou pecar (v.10) se ele depois explica que escreveu isto exatamente para que eu não peque? (v.11). Seria completamente sem sentido não é verdade? Mas se você considera todo o contexto e assume que João está desenvolvendo uma ideia desde o começo do seu discurso, tudo voltará a fazer sentido.
Ok! João está falando sobre tudo isso de manter comunhão com Deus para que não pratiquemos pecado, mas, e se o crente pecar? Novamente ele repete: “Tem jeito! Não é o fim! Temos um advogado!”. Eu só preciso confessar o que tem que ser confessado, e o meu advogado providenciará a purificação do que tem que ser purificado! Aleluia!
Para terminar, confira alguns dos versículos iniciais do capítulo 2 de primeira João e veja como estão em harmonia com as coisas que ele tinha iniciado no capítulo anterior:
- v. 2: Jesus é a propiciação pelos nossos pecados (1 João 1.7,9);
- v. 3: Sabemos que o temos conhecido se guardamos os seus mandamentos (1 João 1.5,6);
- v. 4: Aquele que diz “eu o conheço” e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade (1 João 1.6,8,10);
- v. 6: Aquele que diz que permanece nele, deve andar como ele andou (1 João 1.5,7);
- v. 7: O mandamento é a Palavra que desde o princípio tivestes (1 João 1.1-5);
- v. 9: Aquele que diz que está na luz e odeia o seu irmão, se engana a si mesmo pois até agora está nas trevas (1 João 1.6,7).